sábado, 16 de fevereiro de 2008

Caso


Estou grávida. Como diz a Marina Lima “Eu tô grávida / De uma nota musical /De um automóvel / De uma árvore de Natal / E vou parir”. Já fiz o teste na farmácia, e resolvi contar pra Clarice. Fui ao consultório de Dona Lucília. Ela está chocada com a notícia... Mas pelo menos os meus pais já sabem! Pode ser que isso não lhe agrade. Assim que vi o resultado, acreditei. Assim que soube, senti algo dentro de mim. Não, não foram as chutadas do bebê. Ainda é muito cedo para tamanha afobação. Mas senti algo bom. Algo que estava me transformando em uma mulher mesmo com 16 anos.

Nós transamos naquela noite porque os dois quiseram. Disso você também tem certeza. Já estou a ouvir sua voz dizendo: “Isa! Estás maluca? Eu não forcei a barra, garota!”. Mas não tem problema, Davi. Ou tem. Não quero fazer com que se sintas culpado. Apenas, queria que pudéssemos fazer com o nosso bebê, o que, no começo do namoro, conversamos. Acho que não lembras, por isso irás dizer-me coisas desagradáveis.

Agora estou aqui na minha cama, sentada, ouvindo aquele cd que você presenteou-me no meu aniversário, do Chico Buarque. Foi um dos presentes que mais adorei receber entre os meus 12 e 16 anos. É, nos conhecemos por acaso, ou seria sem acaso? Você com seus amigos do 2º colegial, e eu com minhas amigas do 1º ano. Lembro do jeito como examinava meu corpo, deixou-me tímida diante das meninas! Ai, Davi... Como foi bom! E começamos uma linda história de amor...

Onze meses de muita paixão, muita fidelidade, muito carinho. Então aconteceu o que aconteceu naquela tarde de junho. Meus pais, você lembra, sempre diziam que o que existia entre nós dois era intenso, era extrapolado. Precisávamos ir com mais calma, até porque ainda éramos dois “bebês”! Estranho eles usarem essas palavras. Somos tão grandinhos, tão inteligentes, quase tão ‘responsáveis’. Porém entendi o que de fato eles me alertavam.

Eu não conhecia aquela garota. Depois as meninas me disseram que ela morava no seu prédio. Aquilo partiu meu coração, Davi. Sério! Não estava acreditando, pensava que era conversa fiada delas. E vi você ali naquela praia com a Yasmim. As meninas me seguraram para não estragar mais ainda meu espírito. O sangue subia fervorosamente em minhas veias e artérias. Fiquei vermelha, chorei horrores, tremia como um trovão. Passei mal.

Elas chamaram um homem que estava com uma prancha de surf na praia, pra me levar até um bar distante de onde vocês “namoravam”. Ligaram pros meus pais, eles vieram, levaram-nos pra casa, e lá eu vos contei tudo que aconteceu, e estava acontecendo.

- Isadora! Meu amor! Onde que os dois pirralhos estavam com a cabeça?

- Pai, não foi um erro. Nós dois sabíamos que iria dar nisso. Quer dizer, não sabíamos. Eu tomei a pílula do dia seguinte...

- Mas não resolveu, não é? Você acha o que? Que se ficasse grávida, ou melhor, que se está grávida, tudo bem. Seu papai, sua mamãe, os pais do Davi vão bancar tudo? Ah, lógico... “papai e mamãe me amam e não irão me deixar na merda”!

- Júlio, olha o estado dela! Isso pode estar fazendo mal pro feto!

- Ah, Mariza! Só estou conversando com nossa filha. Vem cá, essas suas amiguinhas do jeito que são, todas ousadas, todas loucas, fizeram com que isso acontecesse com você.

- Pai, pára! Eu não sou santa! Eu não quero que tratem-me como uma santinha, como a filhinha que sempre ganhou bonecas Barbie, ursinhos, sempre teve dvds infantis! Não quero! Desde os meus 12 anos vocês percebem como tenho mudado. Como tenho me tornado mais mulher, mesmo com 12 anos! Pai, pode pôr-me pra longe daqui. Mandar pra casa de alguém, sei lá...

- Espera, espera, espera! Você está louca, Isadora? Está louca? Que pai é esse que vai abandonar a filha logo numa fase linda de sua vida? Minha filha, só estou surpreso com o fato. Só estou triste comigo mesmo... Só estou triste por não ter percebido com tanta força, como minha filha amadureceu. Nem eu nem muito menos sua mãe iremos abandonar você.

- Ow, pai...

- Filha, apenas queremos conversar com o Davi. Saber dessa traição de adolescente, saber sobre o que ele acha da gravidez...

Isso me cansou, Davi. Por isso só resolvi contar agora pra você sobre o nosso bebê. Por isso sumi da escola, por isso mudei o número do meu celular, para não mais atendê-lo. E sei que estás aliviado em estar lendo todas essas minhas palavras idiotas de uma mãe boba pelo seu filhote. É uma menina. Chamar-se-à Flor. Simples como o da mãe e do pai. A única coisa que quero que faça é: registrar a Flor.

Ai, Davi... A verdade que eu ainda o amo muito. Mas não tenho forças pra voltar pra ti. Deixo você com um trecho da nossa música.


“Como o meu jeito de amar se ajeitava com você
Louco, eu não imaginava uma noite sem você
Como é sincero poder
Querer os pulsos cortar
Como é bolero chegar
E perder a coragem
Foi tão bonito você me emprestar a vida assim
Ver que eu não tinha saída e seguir por onde eu vim
Como eu adoro você
Quando você me sorri
Quando sabemos que aqui
Termina nossa viagem”
- (Nosso Bolero) Chico Buarque de Holanda

7 comentários:

Critical Watcher disse...

Espero que tudo dê certo com eles dois... E que isso não seja apenas um caso.

Valeu, Epígono!
Abração.

Renato Ziggy disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Renato Ziggy disse...

Cara, eu sou meio radical quanto a essas paradas de gravidez na adolescência, a guria de 16 anos dizer que já é uma mulher, enfim... Eu até fiz um outro comment, mas resolvi apagar, porque sou meio radical quanto a isso e pode soar agressivo o que eu penso.

O lance é que temos que ser responsáveis ao menos para arcarmos com as conseqüências dos nossos atos. E que bom que a personagem o fez, é o que importa agora, depois do "leite" derramado. Haha! Abraço, meu caro! Valeu pela visita!

Anônimo disse...

Hum! Não sei... penso...
Aos 22 anos sonho e tenho nomes pros meus filhos, mas não me sinto preparada, logo... Não sei!
To inconstante ;/

;@

Anônimo disse...

Me senti a própria Isadora , o que não é difícil tendo o mesmo nome que ela. Espero não ter tal destino :T Minha flozinha vai chegar na hora certa o/
E que não me apareça um Davi desses!
Vai continuar?

"Jogamos nosso bolero
Na ronda dos oceanos
A vida vem como em ondas
Dizia nosso poeta
Nossa canção incompleta
Pode esperar vinte anos
O amor faz ondas redondas
Até quebrar como eu quero"

Erick, eu merecia créditos não?
hauuahahuhauha

;******

Anônimo disse...

Acho que gravidez é responsabilidade. E, em qualquer idade, se sabia dos riscos ao fazer, precisa assumir as consequências do ato.

Bassáltamo disse...

muito bom o texto, me senti no segundo grau. continue.
abs