quarta-feira, 22 de maio de 2013

O dia de Werner


imagem modificada / Google

Agarrou-se a uma simples xícara de café e mastigou o pão com requeijão. Todos os dias eram assim, como um ritual, como um modelo herdado dos pais e dos avós. Werner olhava para o café da manhã, amarrava os cadarços amarelo mostarda do tênis marrom, olhava os noticiários na TV, no Tablet e ainda conferia a mensagem de bom dia no smarthphone.

O perfume passava da metade. Ele, que tinha todo o salário contado e calculado na folha três do mês vigente da agenda, pensava como iria conseguir R$ 40,00 para comprar um novo frasco do perfume. Afinal, queria estar bem quisto aos olhares do outro. Não tinha ajuda dos pais, pois esses moravam longe, no sul do país, em Rio Grande.

Nos dias de hoje possuía alguns amigos, mas era vergonhoso pedir uma grana emprestada ou dar indiretas para ser presenteado com um perfume. O negócio dele era esse perfume! A cada dia: o perfume. Ele não tinha uma paixão: exceto o perfume.

Ele tinha medo. O medo de envolver-se com outra pessoa levava-o a ser cínico, irônico e racional. Poderia até, talvez, ligar para o Roger, que trabalhava junto com ele na agência. Pensava em dizer que o colega tinha um estilo de se vestir bonito. Pensava em elogiar a última foto postada na rede social, exibindo a enorme tattoo que tinha no peito. Ah, percorria por diversos sentidos.

Todo dia, de segunda a sexta, permanecia por 8 minutos no ponto de ônibus próximo à sua casa, com os fones de ouvido – ouvindo um setlist pré-ordenado -, até porque não tinha a mísera paciência de estagnar nas mesmas estações do Rádio. Tinha um certo preconceito, mesmo possuindo conhecimento em tanta coisa!

Era superior juntamente com o seu cinismo. Era arrogante muitas vezes. Afastava-se de alguns, alguns afastavam-se dele. Um dilema.

A camisa social que usava não possuía uma dobra se quer. O livro à mão, esperava ser folheado assim que estivesse dentro do ônibus para a pequena viagem ao trabalho. Dentro da maleta case, ele carregava o lanche para o dia, um jornal impresso, o tablet, uma revista sobre história, o carregador do smarthphone, a escova de dente e o creme dental.

Quando entrava no ônibus todos olhavam-o dos pés à cabeça. Viam-o como um homem bonito, discreto, sério. Não estava atrasado para o trabalho, porém, não via a hora de chegar e olhar para o Roger novamente. Era uma sincronia de olhares. Era o tique taque do coração acelerado. Era o elevador do prédio demorando. Era todo mundo do décimo quinto andar dando bom dia com aqueles sorrisos amarelos ou com hálito de creme dental. Sem paciência, sem tolerância...

E com esta frase, o chefe olha-o e exclama:

- Bom dia, Werner! Você está demitido!

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Elas

Paula: Eu só queria saber o que você sentia por mim naquele tempo.
Elisa: Eu só queria saber por que você não se aproximava de mim.
Mariana: Eu queria saber o motivo de tal afastamento de vocês, quando eu disse que sou lésbica.
Isadora: Não tenho motivos para ir contra suas satisfações sexuais.
Carla: Eu queria saber por que você, Paula, não me tocou com voracidade.
Paula: Eu senti medo.
Carla: Eu só sentia desejo.
Elisa, Mariana e Isadora: Nós queríamos você.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Lentamente

Porque eu fiz um chamego no seu peito...

(sons do frio entrando na janela entreaberta)

Porque foi um aconchego,
Não foi medo, foi beijo do elo astral
Porque eu caí nos teus braços e abraços
Eu caí.

(sons de sapatos postos no tapete)

Porque minuciosamente desqualifiquei o pensamento
Porque eu fui e sai por aí...
Com o teu ensejo de desejo. Desejo...
... Beijo.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Os dois. Ou só "dois"

- Oi. Tudo bem?

- Não.

- Por que? O que há?

- Não me sinto aqui. Quero um abraço.

- Que triste. Sendo assim, não poderei compensá-lo com um abraço.

- Posso voltar atrás?

- Você quem sabe. Acho que o abraço não terá mais o mesmo sentido.

- Enquanto você achar, isso é falho.

- Então vem. Vem cá, me dá a mão e me abraça.

...

- Sinto-me aqui.

- Sinto você aqui.

- Tudo bem?

- Tenho certeza!

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O Encontro

França, 01 de fevereiro de 2012

Eu desci do ônibus e fui encontrar com a minha amiga, que eu não via há 15 meses. Foi um abraço forte, demorado. Ainda não era a minha paz de espírito. Eu pensei que tivesse esquecido os meus medicamentos, os papéis que escrevi durante todo este tempo, os presentes, o desejo.

Caminhamos até o apartamento onde todos moravam. Conversamos sobre o tempo, sobre o amor, sobre a paixão, sobre a viagem inesquecível que tive da minha terra até ali. Eu perguntei se não seria vergonhoso gritar em frente ao prédio para que todos vissem quem estava embaixo para agradar o outro. Claro que ela ficou do meu lado!

Na verdade, ela subiu até o andar onde os meninos moravam, e disse que tinha um louco fazendo escândalo na rua em frente ao prédio. Será que ele imaginava que eu estaria ali embaixo? Quer dizer, será que imaginava que eu estaria naquele país?! Naquela hora? Não. Não imaginava. Porque eu tinha contado que minha viagem não ia dar certo, por motivos financeiros.
Mas eu estava lá. E eu estava com a melhor roupa, com o melhor perfume. O coração batia tão rápido. Desde quando embarquei no Brasil, eu sentia o meu corpo tremer. Eu estava ansioso para vê-lo. O Pedro tinha ido para a França trabalhar como correspondente de um jornal brasileiro. Tinha ido há um ano, e não tinha outra saída. Era a profissão dele. Ele tinha acabado de se formar e foi chamado para trabalhar nesse jornal do Brasil, porém a surpresa foi ainda maior quando soube que teria que passar 3 anos como correspondente no país de Bonaparte.

Enquanto eu esperava a minha amiga ir até o apartamento dele para dizer que eu estava lá, tirei o cartaz que tinha feito ainda no Brasil, com a frase “Olha meu amor, estou aqui! Amo você. Desce e vem me ver!”. A minha amiga, Clarice, apareceu na janela do quarto dele, e acenou para mim dizendo que ele ia aparecer na janela em instantes. O meu coração acelerou ainda mais. Eu quem estava fazendo a surpresa e eu quem estava nervosíssimo!

Então ele apareceu na janela. Mas ainda não tinha olhado para o lado que eu estava. Demorou cerca de 2 minutos, até que a Clarice apontou pra mim! Ele gritou! Ele deu pulos lá da varanda! Corri pra porta do prédio e ele abriu o portão se tremendo, enquanto a Clarice dizia “eita que felicidade!”...

Abraçamo-nos. Beijamo-nos. Abraçamo-nos. Beijamo-nos. Por diversas vezes... As frases “meu amor”, “eu te amo”, “como eu estou feliz” ecoavam a todo instante.

Passamos por tanta coisa durante essa distância. Mas estávamos ali... Juntos! Levei um livro de Fernando Pessoa que o meu pai tinha comprado para presenteá-lo e, claro, uma camiseta de manga longa que a minha mãe tinha comprado na semana anterior à minha viagem. Fora os outros presentes dos familiares e de alguns amigos. Ele apenas sorria para mim, como um namorado bobo! A Clarice chorou como uma criança. Ainda me abraçou por diversas vezes e queria muito que uma menina fizesse o mesmo por ela. Porém, ela sabia que ainda iria aparecer uma pessoa especial e mudaria sua vida.

Nas duas primeiras noites festejamos com todos a minha chegada. Saímos para beber em alguns barezinhos e fomos a algumas discotecas. Rimos muito, tiramos muitas fotos. Era uma turma grande! Os franceses que conheci, todos simpáticos. Todos brincalhões. Incrível... E já recebi um convite de um deles. Ficar por um tempo em Paris trabalhando com um deles em uma agência de fotografia. Os meus sonhos estavam se realizando. Demorei a acordar...

O encontro – entre eu e ele – foi maravilhoso. Dormimos abraçados todas as noites durante um mês. Sorrimos, beijamo-nos... Toquei o corpo dele como sempre quis fazer desde quando ele tinha ido embora. Tivemos noites lindas de prazer, de emoção, de felicidade. Não sabia ao certo o que o futuro nos reservava. Tínhamos os nossos planos: os reais e até mesmo os infantis. Por hora, passou por nossa cabeça em não voltarmos para o Brasil. Tínhamos muita beleza ali. Tínhamos trabalho. Tínhamos amizades lindas – não esquecendo da nossa família e amigos brasileiros.

Estávamos apenas decidindo... Sonhando... Encontrando... Formas de viver intensamente esse amor.

Tem sido assim...

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Ka, 20 de outubro de 2010

Eu estou há dois dias sentindo falta de uma ligação. Eu estou buscando me fortalecer em melodias. Busco conhecimento nos livros da universidade ou nos que estão na estante da minha casa. Nada me interessa. Pouco me interessa. Muito é o que quero. Desejo corporal é o que tenho sentido a todo minuto do meu dia. Sexualidade é a qualidade do meu espírito nestes dias quentes e frios.

Ando para o trabalho, ando para a faculdade, ando para casa e me canso. As conexões dizem respeito aos nossos sentidos, as coisas boas e desejáveis. Dores de cabeça chegam sempre às 22:30. Encontro-me no ápice da minha boa vontade. Chego a pensar que vivo em um mundo kantiano. E as coisas ao meu redor não promovem, nem realizam aptidão para que eu alcance a felicidade.

Eu fico olhando para elas, para eles e imagino-me com um deles na minha cama, no meu íntimo perfeito. Restrinjo-me ao pecado da carne, ao autodomínio da paixão, ao que não faz sentido algum.

É estranho, porque eu posso e tenho toda a liberdade para realizar esses desejos. Mas quero alguém. Quero alguém que ultrapasse os meus princípios, as minhas virtudes, que inspire-me à loucura. Quero alguém que declare-se louco e dócil. Quero alguém que faça-me surpresas com as pequenas coisas.

E tão cedo suspiro, e tão cedo filosofo...

Quero alguém que me tome por completa. Quero alguém que possa olhar para mim e olhe-me com desejo. Quero que aperte as minhas coxas, meus braços, meus peitos macios. Quero alguém que sorria para mim e diga o quanto é bom passar um dia de sábado e domingo fazendo sexo, amor e vendo filme. Quero um corpo em cima do meu. Quero alguém que me deixe completamente mulher.

E se quiser chamar de puta, que chame com ardor, com prazer!

Não posso ir ao supermercado e comprar uma garrafa de vinho. Não posso tomar só, nem tentar conviver com a idéia de solidão. Porque preciso de um outro alguém para poder viver na utopia da liberdade de amar e dividir algo com esse alguém. Não posso me embriagar por não ter motivos à festejar. Não posso cheirar a álcool diante do desejo. Não posso, não gosto, não quero.

Quero o domínio de uma mulher, de um homem, de um animal selvagem. Quero a boca, a saliva, os dentes... Quero o peito, a barriga, quero o órgão, quero as pernas, o calcanhar. Quero abraçar e sentir o calor fervendo do corpo em contato com o meu. Quero um homem. Quero uma mulher. Quero a liberdade: sem sexo, sem cor, sem rancor. Quero a vontade do macho, da fêmea.

Ilustrando todas as causas e padrões culturais ao redor, tão somente lanço uma proposta chocando os objetos humanos e materiais. Deveria eu ser cega às tentações. Deveria jurar diante do padre, do pastor, quiçá do papa. Não posso ter tudo agora. Não posso realizar as minhas fantasias, os meus erotismos conscientes não-delinquentes.

Ao chegar em casa, farei o mesmo que fiz na noite anterior: tomar banho, tirar todas as impurezas adquiridas durante o dia, ir dormir, entregando-me aos sonhos. E sei que os mesmos são reveladores. Sei que algo apaixonante mudará os meus toques...

Sinto o meu peito endurecer acompanhando as batidas do coração e o tremor das minhas pernas.

Sinto. E apenas só eu sinto...

... Uma vontade de gozar.

Meu nome é Karina, e essas foram as minhas ilusões. Desculpe-me a grosseria, se é que apareceram nas linhas.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

De repente...

Meu nome é Daniel. Logo abaixo estão os meus conflitos:

De repente eu precisei respirar. Precisei relembrar por tudo que passei. Lembrei que as histórias também são feitas de incoerências. E que, de repente, posso não ter a permissão ou luxo de ter o melhor.

De repente eu vi que não tinha vindo mais aqui, mais acolá. E sinto a cada dia que os poros na minha cara estão ficando compulsivamente mais velhos, mais doentios... Um simples pote de hidratante facial não resolve totalmente essa doença, essa guerra de células. Um simples beijo no rosto não resolve a dor e o sentimento que carrego todos os dias por estar longe de uma pessoa amada.

De repente, se eu pudesse por uma mochila nas costas, quebrar o meu celular atual, ficar sem computador e todas essas ferramentas ilusórias de desejos, se eu pudesse desrespeitar a pessoa desprovida de "respeito", de "educação", o faria.

De repente eu tento não chorar, não caminhar para trás como caranguejo que tem medo dos gigantes. E vejo que preciso lutar, guerrear contra o mal que me enfrenta, que visa me por para baixo.

Vejo que não há uma definição de vida. A cada minuto há transformação. A cada minuto você muda sua opinião. A cada minuto você quer algo, de repente não quer... Você se vê atolado de coisas para fazer, para viver e sente-se perdido sem saber o que escolher.

São conflitos internos. Imagino que muitos têm esses conflitos dentro de si. Muitos driblam. Muitos sabem jogar. Muitos tornam-se vencedores. É preciso sempre acreditar. Fazendo isso, consegue-se alcançar a paz de espírito. Consegue-se realizar o grande desejo: estar bem.

Eu vou voltar e vou por um texto, uma nova história.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Francisca (A história da arte) III

Exatamente aos 63 anos de idade concluí o ensino médio. Aos 65 anos fiz o meu primeiro vestibular! Passei dois anos me dedicando para o vestibular, porque achava que para matar um bicho de 7 cabeças, eu deveria criar várias estratégias e por em prática todas elas. As dúvidas surgiram. Eu não sabia o que escolher para cursar na universidade. Artes Visuais, Teatro, Dança? Nenhum desses foi o meu escolhido. Ciências Sociais foi a escolha certa. Hoje sou socióloga de uma instituição federal aqui no estado. Estou com 71 anos e sinto-me jovem a cada dia. Nas horas vagas eu produzo em casa. Pinto telas e faço alguns objetos decorativos para toda a casa.

Já participei de 3 concursos culturais aqui na cidade e fui convidada pelo secretário de cultura do estado, para apresentar os meus trabalhos na Itália, França e Inglaterra. Agarrei todas as oportunidades e fui. Vivi 2 meses em todos esses países. Não conseguia acreditar onde estava. Quando eu estava na França, fui até Paris e conheci a Torre Eiffel. Lembrei de que um dia, limpando a mesa do escritório de um chefe meu, eu vi uma miniatura em bronze e me imaginei estando lá, de frente aquela obra de arte gigantesca! Eis que o sonho, o pensamento, a fé, estava sendo realizado.

Lágrimas desceram sobre o rosto. A pele sentiu-se gelada. Os pensamentos eram de tristeza e felicidade. As letras que li durante o período de estudo aqui no Brasil, agora estavam explodindo de emoção diante da Torre Eiffel. Foi um momento prazeroso. Foi um primeiro e único momento. Senti-me realizada. Senti-me a mulher mais feliz do mundo, mesmo sabendo que existiam outras iguais a mim.

Aquela viagem à Europa marcou por demais a minha vida profissional e PESSOAL. Depois de ter acabado o segundo dia da mostra dos quadros em Londres, Inglaterra, eu fui conhecer a Tower Bridge. Sim, sim. A minha câmera fotográfica clicava cenas daquele fim de tarde na capital fundada pelos romanos. Parece que tudo estava interligado. Eu, nessa idade, ainda me surpreendo com as coisas da vida. Encontrei um grande amigo que trabalhou comigo há uns 15 anos. Pura coincidência! Diante da Big Eye, eu chamei um rapaz, que nunca imaginaria que fosse o meu amigo, para tirar uma foto minha com o fundo pegando a roda gigante. Deus, deus...

Ele estava acompanhado de um homem. Os dois estavam estudando Comunicação na Arte e Estudos Jornalísticos para Rádio/TV em uma universidade de Londres, e ganhavam uma grana como fotógrafos de uma revista cultural de lá. O homem que acompanhava o meu amigo, hoje é o meu esposo. Engraçado como o mundo dá voltas... Engraçado como deus sabe REALMENTE o que fazer e como fazer e onde fazer as coisas darem certo. O meu marido e eu moramos juntos. O meu amigo ainda mora lá em Londres. Recebeu algumas propostas e aceitou ficar por lá. No próximo semestre iremos visita-lo. O Eurípedes é supervisor de programação de um jornal local aqui na cidade.

Estou com 71 anos e ele com 73. Não paramos ainda de trabalhar, de produzir e de curtir a nossa vida. Hoje mesmo, assim que eu acabar de escrever essa “história da arte” irei cuidar nas coisas domésticas e vou encontra-lo na academia. Toda segunda, quarta e sexta praticamos Pilates. Terça e quinta praticamos musculação. É bom, sabe? É bom deixar o corpo acordado para a vida! É bom poder dividir uma casa com um amor, com um verdadeiro amor. Dividir a sua vida pessoal e profissional com um melhor amigo. Eu amo o Eurípedes e amo tudo que fazemos juntos. Somos os dois “velhinhos” bajulados pelos “jovenzinhos” da academia.

(O telefone toca. O telefone toca sem parar.)

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Francisca (A história da arte) II

Então eu engravidei e tive aos troncos e barrancos os meus dois filhos. O pai, cachaceiro e mulherengo do jeito que era, deixou-me sozinha. Eu era como muitas Franciscas nordestinas: pobre, negra, sem estudo suficiente, com pais pobres e ignorantes, grávida e tinha um homem daquele jeito. Às vezes eu olhava para a minha casa e pensava em mudar todo aquele estado precário. Mas me diga: de onde eu iria tirar dinheiro para restaurar o meu cantinho e dar uma vida digna aos meus filhotes?

Uma vez, quando Bruninho estava com 8 anos, ele me pediu um carrinho de plástico que estava a venda no mercadinho do bairro. Eu lembro do sorriso largo e doce no rostinho dele pulando ao meu lado dizendo “Maiiinha! Maiiinha! Compra pra mim! Nielson tem um carrinho igual a esse... Ele sempre leva pra escola e não deixa eu brincar porque disse que foi muito caro e foi a mãe dele que deu”. Quantas mães, com o pouco dinheiro que recebe, não fica comovida em um pedido desse? O meu coração apertava todas as vezes que Bruninho olhava daquele jeito e comentava sobre algum amiguinho da escola.

Dentro de casa era um sufoco. Eu recebia uma cesta básica de quinze em quinze dias do meu trabalho, mas não dava para sustentar três bocas. Às vezes eu chegava em casa a noite e tinha saco de biscoito aberto... Biscoito espalhado pela casa... Espalhado na porta da cozinha para o quintal. Imagina a cena: o Bruninho e o Júnior dava comida para os cachorros! Aquilo me irritava tanto, mas eu não podia bater neles, nem muito menos falar em tom alto. Não queria que os meus filhos sofressem o que sofri. Conversava com os dois meninos e mostrava-lhes a nossa situação. Praticamente jogavam fora a pouca comida que tínhamos.

Eu passei por uns bocados. Muitas vezes desmaiei de fome dentro do trabalho e era levada ao posto médico mais próximo para tomar soro. Fiz tantas coisas para os meus meninos. E tornaram-se homens. Bruninho gostava muito de música, assim como Júnior. Tiveram uma grande influência da mãezona aqui. Eu ouvia de tudo: rock, pop, mpb, axé, forró... Eu sempre gostei de cultura. É uma das peças fundamentais para o crescimento pessoal. Com o meu esforço no trabalho, consegui comprar uma vitrola usada. Fizemos uma festinha lá em casa. Foi um momento tão especial...

No final da adolescência dos meus filhos, eles resolveram se juntar aos amigos para montarem uma banda de pagode. Muitas águas rolaram durante esse período. As brigas entre os dois meninos cresciam. Um queria ser melhor do que o outro, e, ao mesmo tempo, os dois sentiam-se envergonhados ou faziam-se de doidos quando alguém os elogiavam. Eu era uma dessas pessoas que fazia elogios a todo instante. Mas não tinha jeito! Os meus filhos receberam convites de alguns grandes nomes da música brasileira. Receberam convites para irem tocar fora do Brasil. Doce ilusão... Nunca foram! E eu queria tanto que eles se empenhassem e fossem longe com esses talentos... Porém, nem tudo que as mães ou os pais querem para os filhos é o que eles também querem. Resolvi ficar na minha e apenas ver a banda passar literalmente.

Negra, zeladora, morando em um bairro pobre da zona norte, ganhando pouco, fazendo algumas artes, vivendo como deus manda e rejeitada por um dos meus filhos. Aos 57 anos, se não me falhe a memória, eu estava nessa situação. Fui praticamente intimada a sair da minha própria casa, para poder abrigar o meu filho, minha nora e a filhinha deles. Eu e o meu cachorrinho PLOCK fomos procurar outro lugar, porque viver com uma mulher que esconde comida de você, viver com um filho que não dá as horas quando chega em casa, nem muito menos quando sai, por mais que esse filho já seja BEM MAIOR de idade, não dá certo!

Fui morar em uma casinha de três cômodos – sim, tinha um pequeno quintal – com uma amiga minha. Fiquei durante dias e dias doente. Passei o Natal só, Ano Novo só... Eu queria os meus filhos perto de mim, eu queria um amor. Eu tinha só o meu cachorrinho e a fé em deus de que um dia eu iria viver melhor. E mesmo que os meus dois filhos não dessem a mínima nessa fase da minha vida, eu não deixaria de perdoa-los jamais. Não deixaria de amá-los. Porém, como a minha avó dizia nos meus 11 anos: “Quica, o que se faz aqui, se paga aqui. Não adianta fugir, porque um dia você irá pagar aqui”. Penso isso sobre os meus meninos.

O Bruninho conseguiu a própria casa. O Júnior foi morar em São Paulo para tentar a vida como músico. Durante 5 anos ainda fiquei pagando aluguel. Depois que o Bruninho saiu da minha casa, eu voltei e fiz uma reforma com um dinheiro que o Júnior mandou de uma das apresentações dele lá pro lado do sudeste. Estava feliz. A casinha toda bonita, as flores bem vivas, meus cachorrinhos crescidos e o meu gato MILK dormindo direto no sofá branco da sala. Eita que vida boa. Faltava tornar-se ótima...





* * *




Peço desculpas pela demora em postar algo novo aqui neste cantinho. Tenho oculpado muito o meu tempo com diversas tarefas e prazeres. Muitas tarefas tem me deixado chato. Na verdade não as culpo: culpo esse pouco tempo. Trabalho, curso de idioma, auto e moto escola, coisas familiares e amorosas, e logo mais universidade. Claro, eu sei que não devo ficar relatando sobre a minha vida aqui no blog, afinal, a proposta que eu criei para este lugar é para relatar sobre outras pessoas e/ou personagens fictícios - posso até surgir entre algum desses... Soube da mudança no layout do BLOGGER e resolvi voltar e mudar algumas coisinhas: layout, endereço, que antes era "nobreepigono" e agora passa a ser "nobreepiteto", nome e foto de perfil e música e leitura.




Na última postagem "Francisca (A história da arte) I" , recebi comentários de pessoas queridas. Irei invadir o lugar de vocês em breve. O blog Do Fundo do Meu Pâncreas presenteou-me com um selo:

“Com o Prêmio Dardos se reconhece os valores que cada blogueiro mostra cada dia em seu empenho por transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais etc., que, em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, entre suas palavras."

E possui três regras:
1- aceitar exibir a imagem.
2- Linkar o blog do qual recebeu o prêmio.
3- Escolher 10 blogs para entregar o Prêmio Dardos
Muito obrigado! Perdão pelo exagero no post de volta!

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Francisca (A história da arte) I

* Inspirado em uma amiga

Eu gosto de arte. Não, não. Eu amo a arte. Desde menina, eu montava instrumentos musicais com os meus irmãos e fazíamos umas batucadas no quintal de casa, ou na calçada para todos os vizinhos verem e ouvirem. Era uma época doce e amarga. Nossa família não tinha condições para dar-nos um futuro melhor. Se ao menos fôssemos filhos de políticos ou artistas, quem sabe... Mas não. A vida não era bem assim.

Quando eu conseguia livretos na escola e trazia para casa, minha mãe, bruta como era, gritava-me na frente dos mais novos. Muitas vezes rasgou as historiazinhas que eu gostava de degustar. Não tive incentivo, nem muito menos apoio. Achava divinas as apresentações de coral na igreja próxima a minha casa. Achava bonito ver as meninas mais velhas da escola cantando na noite de São João. Eu queria estar ali e não podia. Mamãe sempre dizia: “Num pense em ser como aquelas outras da escola! Quica, Quica – ela me chamava assim - , tume a frente das carroça, e cuide in ser trabaiadora, mulé! Fica querendo aparecer dando uma de autista, montando esses lixo como instrumento. Vá simbora trabaiar!”.

Mamãe era uma sofrida. Não estudou e sempre, desde os 11 anos de idade, trabalhava para ajudar vovó Bainha. Abandonada por papai, assim que estava buxuda do terceiro filho dos cinco, ela deu um duro danado para nos manter e mandar pra escola. Há uma contradição nas atitudes de mamãe. Ela cantava os sambas que ouvia pela rua e nas redondezas, achava bonitas as apresentações de Natal que tinha na praça do bairro, e queria que fôssemos “gente”. Paradoxalmente, mamãe me negava o direito de ficar com livros dentro de casa e ir se achegando com as meninas do coral da escola, ou ficava enfurecida quando via minha bagunça e dos meus irmãos no quintal ou na porta de casa.

Trabalhei como babá, empregada doméstica e jardineira em casa de político e empresário. Desde os meus 14 anos, uma guerreira – sim, sinto-me como uma grande guerreira!

Seu Duquinha, um dos empresários para o qual eu trabalhei na casa, gostava muito de mim. Nas reuniões e festas de família, chamava-me de longe: “Ciiisca! Vem aqui, Cisca! Quero que os meninos – filhos dele – fiquem lindos. Ou melhor, mais lindos. Quero a casa bem arrumada e decorada. Amanhã vai ter festa aqui. E sei dos seus talentos!”. Nunca, em todos meus 17 anos, tinha ouvido um elogio desse. Foi como receber um presente. Perguntava-me direto “Que talentos? Eu só vou criando, criando, e dá nisso”. Fiz como seu Duquinha pediu. Montei tudo, decorei toda a casa, dormi tarde para deixar nos eixos, enfeitei os meninos e no final me senti uma artista. Uma produtora.

Eu sabia assinar o meu nome, ler, entender as coisas. Estudei até a 4ª série do fundamental. Sonhava em um dia ser reconhecida pela arte que fazia ou ainda estava por vir. Não pensava no dinheiro. Pensava no reconhecimento, no autoego, na felicidade estampada nos rostos das pessoas, na minha liberdade pessoal e artística. Isso tava tão longe...

Mas quem disse que a gente não consegue? Só se for seu inimigo ou alguém da família importunando você com a ideia absurda de tornar-se um artista. Continuei sem estudar, sem ter apoio da família. Fazia as minhas “artes” e ganhava os mesmos elogios dos patrões e amigos próximos. Eu queria mais. Queria ajuda. Queria prosseguir no meio artístico. Achava tudo tão a minha cara, tudo tão fácil de mostrar para os outros. Difícil seria eles entenderem. Eu pus na cabeça: “Quando tiver os meus filhos, e se eles nascerem com o dom da arte, farei de tudo para que alcancem os sonhos e realizem.

Então, eu engravidei...

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Eulália III (o inicio das relações)

Eu disse que não gostava das festas da cidade. Eu não queria ser reconhecida por aqui, nem tampouco pelos jornais do pais. Preferia viver em um convento às custas de alguma Irmã. Ou, quem sabe, morar no exterior e tornar-me uma outra pessoa longe dos insanos daqui. Eu me sentiria feliz ao lado de algum poeta ou um estudioso das relações humanas. Os meus pais me apresentaram ao Fausto, que de poeta não tem nada, ou ainda irei descobrir, e de relações humanas muito menos.

Fausto tem cabelos lisos chegando aos ombros. Seus olhos recheados com cor de mel, traduz-se em mistério, simplicidade e beleza. É bonito, claro. Porém, nem todo corpo bonito ou olhos bonitos mostra o que realmente é. Filho do Sr. Bernardo e Srª Lucrecia, ele administra junto ao pai a fazenda Três Leões, uma das mais valiosas da região. Estudou com um professor particular e poeta da cidade grande. Todas as segundas, quartas e sextas-feiras o professor vinha até Três Leões e ensinava ao menino.

Fausto não queria estudar. Queria cuidar do gado, das plantações, brincar com os meninos da cidade. Uma delas ajudava-o a carregar cestas com verduras e frutas. Ele tinha 16 anos, ela, 10. Eulália era sua melhor amiga. Sua companheira de aventuras. Filha de uma escrava alforriada e um italiano imigrante. Doce e aventureira, acompanhava os meninos em caças pela fazenda e a noite gostava de contar histórias sobre sua família de negro-africanos.

Estamos nos conhecendo e conversando sobre o que há de mais interessante nessa vida. Tudo que ele me fala é sobre a fazenda e Eulália. Diz-se encantado com a menina, que hoje tem 17 anos. Dos dezessete anos para os 23, ela tem muito o que aprender. Inclusive, a morrer, apagar-se da nossa vida. Gosto da ingenuidade dela e, se não a for, gosto mesmo assim. Quero aprender a bordar os vestidos e a menina sabe bem como desenhar com as linhas.

Quero culpa-la por tudo de mal que venha acontecer. Ao menos, acusa-la com provas. E, se o Fausto for realmente o homem da minha vida, deverei afastar Eulália dele. Porque nenhuma mulher admite ter o seu guardião nos braços de outra qualquer. Porque sou o que sou. Minhas COISAS não pertencem a ninguém. E estarei na minha casa. Mandarei em tudo. Farei com que o Fausto ajoelhe-se diante de mim, e peça-me a graça. Farei ele comer o pão que o diabo amassou. Farei da menina uma “escrava” dos espíritos de Santa Velha.

Estou no começo de um novo caminho. O primeiro passo é ter Eulália do meu lado. O segundo e mais delicioso, acabar, destruí-la gradualmente.

Que venha Eulália!

“Escarra nessa boca que te beija!” – A. dos Anjos

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Eulália II (o homem e o desejo)

Na profundeza da compunção, ela se absterge em orações antes de entregar-se ao sono. Não ouço suas lamentações, se é que ela as tem, nem muito menos vejo a luz das velas brancas acesas. A luz escondida entre as nuvens, aguarda o grito astucioso dos insetos e espíritos ao redor da casa. As folhas verdes dos vasos vermelhos mexem-se a todo o instante.

Um cachorro late longe. Enquanto Fausto repousa na cama, levanto-me e sigo até à janela, com cortinas de cor amarelada como a da lã de Eulália. Abro-as, e vejo que no horizonte do terreno, na beirada, um cachorro fita atento a nossa casa. Ele é preto, grande, e a luz do candeio reflete nos olhos do cachorro, quiçá lobo. Remiro-me naquela direção. Os meus olhos vêem um homem lisonjeando o preto. Esse veste-se com uma calça branca e camisa também branca. Eis um mistério...

As donas de casa, as lavadeiras de Santa Velha, mulheres que ainda são moças, da mesma forma que Eulália, falam dessa cena. Dizem que o homem é a imagem do inimigo. Algumas chamam-o de “mafarrico”. Outras, aquelas que disseram ter sido abusadas sexualmente, dão o nome de “pé-de-peia”. Muitas histórias surgem no decorrer do ano sobre o beiçudo. Agora sei da existência dele. Maria de Zé Ôião veio uma vez aqui em casa e revelou-me coisas de quimera. Eu segurava o terço e ela dizia: “Precisava ver, sinhá. Homem era feio feito o cão. Digo-te, de longe! Mas ele me chamou e fui até lá. Tinha um lobo do lado e segurava um livro. Querendo me enfeitiçar com a bíblia, cheguei perto. Mudei minha opinião na mesma hora! O homem era bonito, sinhá. Abriu os três primeiros botões da camisa e me chamou para tocá-lo. Tinha poucos pelos no peito e sua pele estava quente... Entreguei-me a ele. Riu-se com a minha cara de santa de rapariga. E o... sim... o falo dele estava enrijecido. Sinhá! Era um homem do pecado.”

Era o diabo! O diabo me olhava e eu sentia um fogo no meu corpo. Não, não! Ele não me olhava. O olhar com falsidade olhava para outra janela. A janela do quarto de Eulália. A falência dos meus pensamentos é seguida pelo sobressalto da visão ao ver a minha companheira nos bordados caminhar-se para o mafarrico. Minhas unhas agatanhavam por cima do meu camisote. Sentia-me como uma mulher desgrenhada e apetecível. Quero usar o meu corpo, as minhas carnes com aquele homem. Mas ela rouba-o de mim.

Tenho, mais uma vez, a incumbência de despi-la na frente de Fausto. Mostrar-lhe quem é Eulália. Quem é essa mulher que deturpa a nossa vida, a nossa casa. Porém, tenho-a em meus bordados e nas minhas lamentações quanto a Fausto. Abro o meu coração para ela, mesmo sabendo de suas traições.

Quero o verde... Quero estuprá-la por completo... Quero compreender os meus desejos cataclísmicos.

Olhe, olhe: sempre existe uma luz ou sombra estranha no seu quintal. Na varanda de sua casa ou na janela do seu quarto. Veja-o AGORA!
* * *

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Eulália

Eu vejo os pés escuros da porta do quarto indicando um caminho de mistério. Tão somente como o mistério de dez anos atrás. Naquela época, quando eu embelezava as minhas noites com escrituras sobre os homens da vizinhança e o mau olhado das lavadeiras para mim, Fausto cuidava deliciosamente das plantas de nossa casa. E, além daquele homem modesto e delicado, morava Eulália, minha companheira nos bordados.

Eulália usava sempre dois tipos de vestidos bordados: um branco com listrinhas azul-claro, e um de cor rosa clara. Usava-os pela manhã e tarde, encantando os clientes de Fausto, meu marido. Ela também era de uma mente escondida e de família pobre. Tecia pensamentos ligados à loucura. Penso eu: por que esses pensamentos nessa hora noturna? Por que Eulália me confronta tanto dentro de casa? Por que, por mais inexplicável que seja, ela sente que me deve algo? ...

Tínhamos muitas plantas verdes e alguns baús com vinhos para vender. Faltava cor em nossa casa! Faltava uma flor no jardim, uma cor para mim. E a inspiração para além do “entre nous”. Fausto aguava-as todos os fins de tarde. Calculadamente, vendia as mais belas, as mais exóticas e femininas. Quando chegava a quinta-feira, ele arrastava Eulália para o centro.

Cavalgavam juntos em cavalos namorados pela estrada, e lastimavam-me de longe para com as outras pessoas. Queriam plantas! Ela era o “affaire” à minha frente.

Eu percebia suas mentiras. Percebia o olhar assustador quanto as minhas perguntas assassinas. Ligeiramente, eu tocava o seio branco daquela mulher “vulgaire”, e sentia o coração escravo acelerar de medo com as mentiras. Acariciava-a, não reclamava. Insistia em devorá-la com o meu olhar de dama da noite. O meu marido, descansava o corpo no andar de cima da casa ao lado das orquídeas e samambaias. O livro que o dominava, ficava a dois metros da cama. O lençol bordado de Eulália cobria-o do frio invernal.

Eu vejo os pés escuros da porta do quarto indicando um caminho de mistério. Vejo a fechadura rodando em sentido de abertura para mostrar quem me espera. Abro e vejo Eulália. Ela dança com seu vestido branco, concorda com o medo em meu rosto. Admiro sua beleza pós morte. Sua loucura me deixa mais louca ainda. Rasgo os livros antigos de Fausto. Não como, não durmo, nem conheço quem comprou a fazenda vizinha ou quem se casou na última semana em Santa Velha. Ela caminha com os sapatinhos de bordado pela casa, e senta-se na cadeira mais próxima para eu olhar o rosto perfurado.

Como muitos casos que aconteceram na cidade em anos passados, este não poderia ser diferente. Os clientes antigos temiam-me no começo das investigações. As mulheres lavadeiras e tolas como só elas são, jogavam pragas quando eu andava a cavalo perto do rio. Os maus espíritos importunavam-me diariamente. Agora, anos após a morte, eles vagueiam juntos dentro da casa, e para onde olho, apontam-me acusações fortificadas nos ditos daquelas.

Eulália e Fausto pensam onde está esse livro. Acham que vão dormir.

... O pensamento ligado ao meu papel, vive uma vida já morta. Sem água, sem fala. Olha com desprezo e intimidação.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Alusão ao Demônio

São 11:00 de Terça-Feira. Estou calado dentro dessa sala. Quatro paredes envolvem o meu corpo. O pensamento e as batidas do coração começam a acelerar. Guio-me para outro caminho. Aponto os desejos ardentes do corpo.

Eu ouço o barulho fatídico do Ar-Condicionado. Gela os meus ossos, minha pele, minha angústia dilacerada. Carrego ao lado, um aparelho telefônico. Mas ninguém liga. Ninguém se explica. Ninguém duvida.

Por um instante eu o olhei saindo da sala de reunião. Vi um homem bem trajado, com sorriso intelectual no rosto. Ouvia as conversas alheias ao meu lado, mas mesmo prestando atenção à elas, eu admirava aquele homem bonito. Ele tinha uma pele branca como os travesseiros que estão postos sobre a cama. Ele olhou para mim.

Eu o vi olhando em minha direção. Senti um calafrio. O meu corpo tremeu de surpresa. Eu queria fugir. Não gostei da sensação de ser olhado com desejo por outro homem. Eu apenas tinha olhado-o sair da sala. Nada mais que isso. Porém, como um bebê que é surpreendido pelas atrocidades do ser humano alheio, fiquei paralisado na minha cadeira.

Estávamos em sintonia. Estávamos nos olhando como um casal, que antes do início do relacionamento, paqueram-se em todos os lugares que se encontram.

Eu não queria sentir aquilo. Aquela correria do coração.

Eu queria sentir aquilo. Aquela correria do coração.

Ele era um homem casado. Bem vivido. Tinha um dos melhores empregos do mundo. Prezava pela sua família. E mesmo assim, mesmo sabendo do comportamento acadêmico, familiar e conjugal que ele possuía, derretia-se me flertando. E eu caia nos olhares dele. Ou eu era bobo, ou era homossexual, ou apenas fiquei pasmo com aquela sensação.

Tenho um filho de 7 anos. Ele apresenta características homossexuais. Deus me livre do pecado, mas desejo que o meu filho não venha se tornar um gay. Sentir-se atraído por outro homem, ainda mais nos dias de hoje, quando todos sabem da sua vida, é um martírio! É declarar-se morto pela sociedade. E desejo, ainda mais, que o meu bom Deus livre-me dos pensamentos alheios do demônio. Esse pecado deve ter uma solução num dia próximo. São sentidos do corpo que aguçam sem um “porque” real.

E ainda sabendo de tudo isso, pergunto-me COMO, SANTO DEUS, COMO POSSO SENTIR ISSO QUANDO VEJO ESSE HOMEM!

Misericórdia!

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Eles

Eu estava dentro de um ônibus mais uma vez. Eu ia pagar uma conta de internet, e comprar um presente para o meu pai. Lembrei-me do tempo em que papai fazia-me surpresas com aqueles presentes inusitados. Ou, quando passeava comigo por várias livrarias, sebos, ou levava-me à universidade para assistir suas aulas sobre cálculos químicos. Sim, claro, também lembrei de suas poesias aos meus ouvidos, e ensinamentos sobre a vida. Fez-me homem. Homem sem pilhérias. (As pessoas SÃS, sabem que pilhérias são estas) E desta forma, fui pego pelas orelhas. Ouvi atentamente a conversa daqueles...

- Diz aê, galado! [ele passa pela roleta e senta-se ao lado do “amigo”]
- Faaaaaala, véi!
- Esse hômi vai pra onde?
- Bicho, vou lá pra casa de Anninha. [sorriso de playboy]
- Tô ligado... [olhar desconfiado]... Vai dar uma calibrada, né mané?
- Qué isso, boy! [gargalhada]
- Vai naaaada! Que bicho galado!
- Ei, viado, olha essas conversa aí, pô. [rindo]
- Tirando onda, pow..
- Tss...
- E esse hômi? Tá fazendo UFRN?
- Nada, pow. Tô lá na UnP.
- Sério, bicho? E tu num tinha feito vestiba não?
- Hômi, eu fiz, tá ligado? Mais nem passei na segunda fase, boy.
- Tô ligado... E tu tá fazendo o que na UnP?
- Infermagem.
- Caraio, boy! Curso de viado, boy! [gargalhada]
- Sai daí, fresco. É paw, pow. Só doidinha gata.
- Kkkkkk! Ei, bicho, pelo menos a empregada lá de casa faz. E tu sabe, feia pá caraio! [gargalhada]
- Tô ligaaado, véi! Eu vi ela semana passada lá, pô. Reconheci na moral, mais nem falei. Esse hômi já cumeu ela, né?
- Cumi, pow. [gargalhada] Boa toda. Bundinha da porra.
- Esse hômi é o cara!
- Pode crê... Num sou que nem meu irmão que tem 15 anos e ainda nem cumeu nenhuma doidinha. Bicho, um monte de gata lá do colégio dele. Maria Fernanda, Catarina Araujo, irmã de Isabele... ta ligado? Só doidinha fuderosa e o galadinho num pega. Tô achando que aquele bói queima uma escondido na net, tá ligado? [gargalhada]
- Caraio, bicho... [gargalhada]
- Ei, galado, vô descê agora! Falow! [batem as palmas das mãos, e com a mão fechada, batem com as costas dos dedos]

Que conversa boa. Instigante! Diálogo interessante. Vocabulário novo. O “ser” homem pode-se basear nisso. Isso é que é ser homem. Mostre-se “O COMEDOR”. Mostre-se como O mulherengo na frente dos outros. E rebaixe seus irmãos. É, porque senão, é capaz de você ser “fresco”.
Desci, então, no shopping para comprar o livro sobre maçonaria para o meu pai. Aproveitei o embalo da “pilhéria” do ônibus, e comprei um pocket de piadas. Desejo rir!

* escrito em 01 de setembro de 2009
** sim, há erros propositais de português

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First text: Elas. Enjoy it! =)

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Pífio.

Haha.

Hehe.

Hoho.

Coisa insana.

Hehe.

Haha.

Hihi.

Coisa insana é falar assim.

Hehe. Haha. Hoho. Hihi.

Coisa insana é eu ter uma opinião.

Haha.

Hehe.

Hoho.

Hihi.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

correspondências; primeira resposta

Eu e minha querida leitora e blogueira Vanessa, dona do Monólogos, começamos uma aventura de troca de cartas entre dois personagens que criamos. Apenas criamos os personagens. Eu faço as cartas da Mariana, e ela as do Fabiano. A Vanessa já começou! Clica e confira, se quiser. E logo abaixo está a resposta da Mariana. Vamos ver no que vai dar. Quem sabe, em um futuro próximo, escreveremos um livro juntos? Nunca se sabe!
. . .
São Paulo, 08 de setembro de 2009

Fabiano,

Eu sinto um frio neste instante. Um frio e um calor ao mesmo tempo. Calor de ódio. Frio de saudade. Na verdade, pode-se dizer que é uma brisa. Uma calmaria. Ou uma loucura. Não sei, Fabiano. Não preciso mentir sobre o meu desejo incessante de querer roubar outro beijo teu. Olhar nos teus olhos cor de terra e falar verdades que rebelam-se por dentro de mim. Penso diferente. Nunca tivemos um desfecho. O tempo surgiu para nos separarmos e acender essa nossa chama.

Sempre achei que fosse só tua. Que nenhuma outra menina-mulher ousaria roubar-te de mim. Sempre mantive os meus pés no chão quanto à nossa amizade. Os nossos segredos. Sempre vi nossos planos caminharem juntos sem medo do que o futuro poderia trazer-nos. Mas acho, também, que tuas palavras na carta me feriram.

Milhares de quilômetros nos separam, claro. Não é nada fácil eu conseguir grana para ir ver você em Oxford e beijar-te incansavelmente. Teus lábios, tua boca. E essa distância não me tira as lembranças e a chama dentro de mim. Não me torna fraca. Não paro de olhar nossas fotos no Hopi Hari, na Paulista, no Ibirapuera. Olhar para a tua boca é sinal de desejo, de paz, de descanso. É uma vontade louca de encostar o meu corpo no teu. Sentir tua pele. Nada se apaga, querido. Tudo engrandece.

Eu tenho vivido tão tola, sabe. Tão tola, que um dia estava na sala de aula e morri de rir, feito uma boba, desse dia que você jogou areia nos meus olhos sem querer na praia. Meus olhos ficaram vermelhos, mas foi de paixão, seu bobo! Eu estava tão feliz naquela tarde, que se toda a areia da praia estivesse sobre mim, por culpa sua, mesmo assim continuaria apaixonada. Eu não confundi nada. Nem você.

Quis mudar o corte do cabelo para ver o que você diria. Passei mais lápis nos olhos. Usei roupas um pouco mais provocantes. Eu vi sua carinha querendo-me só para você. O seu jeito tímido querendo me elogiar, mas algo em ti pedia silêncio. E logo mais, tirei teu silêncio com um beijo. Porque eu me sentia tão tua, tão amada, tão única! Meus dedos acariciando teus cabelos lisos e castanho-claros deixavam você louco. Eu vi. Eu senti. E tuas mãos fortes em minha cintura, levavam-me ao teu céu, querido. Ao cosmo!

Quero-te de volta. Às vezes eu penso que é apenas um sonho. Uma simples paixão.

Preciso redigir um artigo sobre a mente dos assassinos. Estranho, não? Mas vale minha nota do trimestre!

Um beijo,

Mariana

PS.: você, por acaso, ainda tem aquele cd da Adriana Calcanhotto que te dei no Natal?

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Elas

Eu estava cansado daquele dia trabalhado. Desci no shopping para pegar outro ônibus para o curso de inglês. Os olhos cansavam, a paciência quase acabara, a vontade de tomar um banho era enorme. O meu MP3 estava quebrado, logo não poderia ouvir o setlist baixado um dia antes em casa. Sentei na cadeira ao lado da janela daquele transporte urbano. Pessoas subiam apressadas sabe-se lá para quê. Universitários com seus livros e cadernos. Trabalhadores com o cansaço e estresse exposto.

Então, parei para ouvir a conversa delas...

- Menina, nem te conto!
- Que foi? [percebo um sorriso e uma leve risada]
- Sabe aquele menino que senta sempre do meu lado?
- Sei. O lourinho?
- É. Mulhé-é, hoje ele veio soltar umas indiretas. Falando dessa minha blusinha. [risos convencidos]
- Eita! E ai?
- Ah, eu fiquei na minha. Só sorri. E nem é a primeira vez.
- Vixe! Dá em cima também, mulhé!
- Ai, sei lá. Acho que não. Mulhé, ele é bonitinho, né? Mas eu num quero ninguém não.
- Aff...
- Falar nisso... Eu fui curiar o Orkut de Ranniel. Tinha um scrap dum doidinho dizendo “Ei, boy! Fim de semana foi role, né não? Ei , galado, tu esqueceu a viola na mala. Se liga, depois nóis ajeita aquele rolo. Falow!”.
- Vish, e ele num tá na faculdade não?
- Mulhé-é, Ranniel só vive badalando. Parece que foi nesse fim de semana pra uma casa de praia.
- É, né? Viola e tal... Deve ter sido lual. E esse outro doidinho?
- É, acho que foi. Mulhé, é Felipe. Depois eu mando o profile dele.
- Uhum. Menina, tu gosta ainda de Ranniel, né?
- Mulhéééé, eu amo aquele troço. [que adjetivo mais belo para quem ama outro, eu penso]
- Troço, é? [gargalhadas] [até a “amiga” percebeu o adjetivo]
- Última vez que “eu vi ele” foi no São João lá de Caicó. Tava com uma doidinha lá, no maior love.
- Sim, a festa tão falada! [gargalhadas]
- Foiiiiii! Em vês de ir dançar com Aviões do Forró, a gente foi beber lá perto, na casa da mãe de Jussara.
- Tô ligada nessa resenha. [risada safadinha]

Para mim, a conversa encerrou-se. Para mim, era o típico papo delas. Certo do que vivem. Certo do modo como falam. Como tratam-se. Não era uma fofoca
. Perdiam, talvez, o tempo. Ou ganhava-o falando bobagens de suas vidas.

Elas. Algumas delas eu não entendo. Deveria?

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

De um americano

Londres, 12 de setembro de 1940

Querida mãe,

Meu coração estremeceu quando cheguei à Inglaterra em maio deste ano. Foi uma longa viagem a navio de Boston para cá, mas senti que estaria em minha terra. País rico, bonito, com um ministro que demonstra afeto à nação da Grã-Bretanha. Se não fossem os temidos...
A senhora, meu querido pai, e todos os norte americanos já devem saber do que ocorreu no começo do mês passado aqui. Os pássaros pretos atacaram contra os portos e navios britânicos ao sul. Os campos de aviação foram demolidos em grande parte. Estamos sem poder dar continuidade à fabricação de novos aviões de guerra.

Ontem, o primo de um amigo de quarto, chegou para contar-nos da família deles que vivem em Southampton. Todos morreram com as bombas que foram lançadas à cidade. Apavorados estamos...

Partiremos, então, amanhã cedo para o leste da ilha, Lowestoft. Apesar das idéias do ministro, não estamos confiantes em permanecer aqui em Londres. Atravessaremos o canal até a Holanda. Chegando lá, procuraremos refúgio (provisório), e escreverei para todos.

A noite londrina está gélida como os nossos corações. As aulas na universidade foram interrompidas. Não existe um dia exato para a volta.

Apenas acabou de começar.
Deus nos abençoe.
Com carinho,

George Warts

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Os dois [ segunda parte ]

Quatro semanas já se passaram.
Tiveram o primeiro beijo. Foi diferente para os dois. Passaram um fim de semana no hotel Le Mathurin. Ele comprou o vinho que ela adorava. Comprou chocolates. Brindaram e comeram. Amaram-se ao som de Animals. Devoraram-se...

Ela puxava-o pelos cabelos lisos e louros dele. Olhava com calor para os olhos escuros e belos. Arranhava-o com suas unhas medianas nas costas, nos braços fortes, nos ombros. Ela dominava-o. Arranhava com carinho as coxas grossas e seus poucos pelos. Lambia-o na cintura, no umbigo, na barriga fina, nos mamilos atraentes. Beijava-o ferozmente.

Ele tinha-a em seu corpo. Comeu aquele corpinho finlandês. Beijou-a lentamente. Queria sentir cada traço dos lábios. O gosto doce do beijo. A língua em sua língua. Ele queria chupá-la, agarrá-la, musicalizá-la. Beijava-a toda. Aquele corpinho límpido e juvenil. Ele sentia orgasmos multiplicando-se no corpo.

Estavam em Paris.

Ele, Orlando. Ela, Vanessa. Os dois: música e literatura.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Os dois [ primeira parte ]

Conheceram-se no colegial. Não tiveram muita comunicação. Amigos apresentaram-nos. Em 1994, fizeram curso de intercâmbio em Paris. Caminharam naquelas ruas bonitas e compostas de música. Entraram em livrarias, cafés, parques, cinemas. Às vezes estudavam juntos por 3 horas seguidas nas bibliotecas públicas que Paris tinha a oferecer, ou até mesmo na casa dos amigos dele.


Ele conhecia muitos nomes da literatura ocidental. Lia sempre. Devorava as poesias, contos de Virginia Woolf. Gostava de Lispector, de Assis. Ela abraçava e mordia obras de escritores brasileiros também. Mas viajava nos contos completos de Woolf. A claridade no jeito como Virginia escrevia, mesmo com uma subjetividade em alguns dizeres, em alguns desejos, atiçava os pensamentos dela para um direcionamento alma-literário mais forte.

Ouviam The Beatles, Pink Floyd, Chico Buarque, Tropicália, Björk, música clássica. Compraram alguns discos para levarem quando fossem para o local onde nasceram. Riam juntos recordando cada época da vida ouvindo músicas que outrora os dois não compartilhavam.


Nesse tempo em Paris, ela fez uma tatuagem na panturrilha. Era a maçã dos Beatles. Ele resolveu fazer uma menina de vestido preto soltando um balão em formato de maçã (vermelha). Queriam uma marca no corpo para que um lembrasse-se do outro. Pareciam duas crianças embaixo da Torre Eiffel. Bobos com vários livros nas mãos, mochila nas costas, pensamentos a mil.

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Ganhei este selo da minha querida leitora Vanessa:
Tenho que indicar mais cinco blogs. Então, os queridíssimos e comtemplados são: Mundos (In)Versos, Palavras Quase Ocultas, Intersemiótica (da minha querida Aline Dias - Aline, não sei o que houve com o endereço. Clico e não consigo acessar), Em Processo Es (X)tático, Do Fundo do Meu Pâncreas .
a)Musica mágica: Off He Goes - Pearl Jam.
b)Filme mágico: A Fantástica Fábrica de Chocolates.
c)Viagem mágica: aquela.
d)Maquiagem mágica: seu sorriso, meu amor.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Para Vanessa

Paris, 14 de dezembro de 1997
Minha linda rosa,
O meu coração, gasto de saudade, acelera todas as manhãs pelas ruas de Paris. Vejo os casais andando de bicicleta pelas ruas, ou deitados em algum parque ou praça. Os enfeites do Natal mostram a luz de felicidade em cada um. Lojas apresentam o “Papai Noel”, e suas promoções para celebrar com muito amor o dia do menino Jesus.
Jingle Bells toca nas esquinas, nas lojas de discos, nas livrarias e shopping centers. Aqui no trabalho, montaram uma árvore, onde, aos pés dela existem presentinhos do ‘amigo secreto’. No canto da minha mesa, uma foto de nós três. O Rocco com o sorriso do paizão. Você, com o olhar de mulher-menina-sapeca. E eu, com meus escuros óculos de grau olhando para o lado. Quanta saudade de vocês dois!

Matematicamente calculando os segundos para voltar para Espoo.

Lindamente lendo Dom Casmurro, daquele grande escritor brasileiro. Voltei-me a lê-lo porque lembrei quando fomos ao Rio de Janeiro e a Natal. Você com aquela cara: “Ah, não compra, meu bem. Querias tanto A Hora da Estrela, não?”. Sim. Não comprei Dom Casmurro, mas sim, o outro. E acabei de ler na viagem para Natal.

Vi Dom Casmurro na prateleira da livraria em Natal. Desta vez, você comprou para mim. Foi tão interessante, porque no mesmo dia, na cama do hotel com você ao meu lado lendo-o para mim, eu dormi. E bobo, abestalhado por você, acordei com uma vontade incontrolável de beijá-la, abraçá-la, comê-la.

Em frações de segundos a saudade aperta. Conto todo o tempo que falta. Para aliviar essa dorzinha constante, comprei o seu presente de Natal. O do Rocco também está aqui. Voltamos em breve. Eu, Casmurro, Orlando e Macabéa.

Je t'aime avec tous les ballons en forme de coeur.

Orlando

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Orlando, mais uma para você

Espoo – Finlândia, 04 de abril de 2002

Os ventos aqui em Espoo acalmaram-se. Tenho conseguido ir ao trabalho, e voltei a ler meus livros e jornais. Encomendei um novo papel de parede para dar vida ao quarto, aos corredores, a cozinha, a sala, a toda a casa. Tintas estão secando na parte exterior. Enfim, troquei o cercado do jardim, e plantei mais duas coníferas para o próximo natal.
Logo ao acordar, hoje, dei bom dia para você, mas acho que não ouviu. Ciciei por seu nome, e aquele pássaro não pousou na janela como das outras vezes. Relevo esse dia insípido. Por isso, não tive um dia maravilhoso.

Chocolates.

Quando fui para o escritório, dei de cara com aquela loja onde comprávamos os nossos doces. Vi um cartaz que dizia em letras bem grandes: PROMOÇÃO! LEVE 5 CHOCOLATES FLOOPS E GANHE 1 EM FORMATO DE CORAÇÃO!. Bom demais para ser verdade. Uma: eu queria comer chocolate. Outra: eu queria matar a saudade de entrar na loja e ganhar um daqueles corações.

Tudo tão real. Algo tão irreal. Algo incerto.

Trouxe todas aquelas coisas para casa. Aluguei um filme. Fiz um suco ao leite de uva. Sentei-me na poltrona da sala, e pus-me a devorar tudo. Lágrimas não mais desceram no rosto. Minto. Chorei ao ver uma cena linda de Notting Hill. Lembrei da vez em que fomos assisti-lo no cinema.

Olho para o porta-retrato e vejo você ao lado de Orlando. Quase que o pego. Deixei-lo descansar em meio a tantos outros Orlandos. E o movimento lento das páginas Noite e Dia, leva-me aos atos auspiciosos de uma insídia. Agora não seria o momento apropriado para tal.

Mas eu estou bem, meu amor. Eu estou bem e não mais sem cuidado.

Aguardo...

Vanessa

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Para Orlando

Espoo - Finlândia, 07 de agosto de 2009

Recolho-me nesta noite em minha casa de campo. São exatamente 21h50 do dia 07. Hoje, fez-se dez anos o falecimento do meu marido e do meu filho. Olho para a lareira acesa no quarto, onde outrora, nós três permanecíamos atentos a cada grito de graveto. Quando pegávamos o nosso vinho italiano, e bebíamos demasiadamente por horas ao ouvir canções de David Gilmour.

Em cima da mesa, descansa Orlando. Quem me faz chorar como uma criança quando é ferida por um pai ou uma mãe que não dá um tão sonhado brinquedo. Descansa olhando-me masculinamente como uma mulher. E eu, eterna de dores, respiro lentamente as palavras desenhadas em seu corpo límpido. Há, entre nós, cenas de felicidade mútua e duradoura. Corre, entre nós, a chama do desejo em trazer aqueles dois homens para o meu leito sangrio.

Os poros em meu rosto de boneca “anos 20”, como ele dizia, parecem entregar-se ao mau tempo. Ao tempo composto de ondas revoltas, ventos fortes, e frio poderoso de amargura. Eu falo das lágrimas agora correntes em meu rosto. Falo delas. Cansam a alma, cansam todo o meu corpo. Porque a dor sobre saiu mais resistente de mim. A dor grita clara e altamente em bom som.

Beira Das incertezas.

E mesmo buscando em você, Orlando, eu sinto cada sílaba dos teus textos na minha mente gritante de refúgio. Mesmo vivendo com você todos esses anos brancos, eu sinto, agora, incertezas que talvez não consigam se curar. Vejo apenas as minhas linhas. Linhas ora corrompidas de exaustão. Linhas e parágrafos e versos e metáforas e poesias devastadoras do nosso amor doentio e belo. Paradoxalmente feito.

Na cama, aqui bem do meu lado, a girafinha do nosso querido doce, olha-me sentindo a falta do alguém. Puxo o cobertor. Puxo um pouco mais as minhas meias. Olho fixamente o desenhar de tuas letras, de tuas declarações de amor, de tuas declarações infantis e penosas. (basta!)

Já, e tão grandiosamente já, sinto que estou prestes a entregar-me a outro. Porque de nada adianta eu viver aqui. De nada adianta eu olhar para a janela à minha frente e ver a dança dos pássaros, ou, quem sabe, o único olhar daquele anjo. Não adianta assistir passivamente os aplausos para os teus gestos heróicos de homem puro dando margem a um OUTRO LUGAR.

E à nossa criança, que sinto muito por sua morte, tenho a sensação de que somente ela irá me levar ao mar, à água além-mar. Ao sofrimento constante. Ao paradoxo. Ao lugar, não sei onde, de paz. Ao cais.

Vanessa

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Dois.

"O Inconsciente me assombra e eu nêle tolo
Com a eólica fúria do harmatã inquieto!" - Augusto dos Anjos

"Luta mental significa pensar contra a corrente, não com a corrente.
É nosso trabalho perfurar as bolsas de gás
e descobrir as sementes da verdade." - Virginia Woolf



Algo me traduz.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Uma saudade instantânea. Parte 3 !



E eu realmente fico assim sem você...

"Eu te quero a todo instante
nem mil auto falantes vão poder
falar por mim
Eu não existo longe de você
e a solidão é o meu pior castigo.
Eu conto as horas pra poder te ver
mas o relógio tá de mal comigo." - Adriana Partimpim

domingo, 12 de julho de 2009

Uma saudade instantânea. Parte 2 !

Foto: dois e dois By Nobre Epígono

Porque ela continua. Inexplicavelmente, ela continua.
E continua com mais notas musicais. Àquelas que outrora
Brilhavam em nossos pensamentos. Em nossos corpos.
Em nossos desejos e esperanças.
Porque ela continua. Inexplicavelmente, ela continua firme e (quase) forte!

"Know a man, his face seemed pulled and tense

Like he's riding, on a motorbike in the strongest winds
So I approach with tact, suggest that he should relax
But he's always moving much too fast

Said he'll see me on the flipside
On this trip he's taken for a ride
He's been taking too much on
There he goes with his perfectly unkept clothes
There he goes

He's yet to come back, but I've seen his picture
It doesn't look the same up on the rack
We go way back

And I wonder bout his insides
Its like his thoughts are too big for his size
He's been taken, where I don't know
There he goes with his perfectly unkept hope
There he goes

And now I rub my eyes, for he has returned
Seems my preconceptions are what, should've been burned
For he still smiles, and he's still strong
Nothing's changed but the surrounding bullshit, that has grown

And now he's home, and we're laughing
Like we always did my same old, same old friend
Until a quarter to ten
I saw the strain creep in
He seems distracted and I know just what is going to happennext
Before his first step, He's off again" - Off He Goes (Pearl Jam)

terça-feira, 23 de junho de 2009

Uma saudade instantânea .

Foto: Dois animais (Por Nobre Epígono)

Uma música para relembrar de você. Setecentos e trinta dias de felicidade. Nós sabemos dela.

"I

Não sou escravo de ninguém
Ninguém, senhor do meu domínio
Sei o que devo defender
E, por valor eu tenho
E temo o que agora se desfaz.

Viajamos sete léguas
Por entre abismos e florestas
Por Deus nunca me vi tão só
É a própria fé o que destrói
Estes são dias desleais.

Eu sou metal, raio, relâmpago e trovão
Eu sou metal, eu sou o ouro em seu brasão
Eu sou metal, me sabe o sopro do dragão.

Reconheço meu pesar
Quando tudo é traição,
O que venho encontrar
É a virtude em outras mãos.

Minha terra é a terra que é minha
E sempre será
Minha terra tem a lua, tem estrelas
E sempre terá.

II

Quase acreditei na sua promessa
E o que vejo é fome e destruição
Perdi a minha sela e a minha espada
Perdi o meu castelo e minha princesa.

Quase acreditei, quase acreditei

E, por honra, se existir verdade
Existem os tolos e existe o ladrão
E há quem se alimente do que é roubo
Mas vou guardar o meu tesouro
Caso você esteja mentindo.

Olha o sopro do dragão...

III

É a verdade o que assombra
O descaso que condena,
A estupidez, o que destrói

Eu vejo tudo que se foi
E o que não existe mais
Tenho os sentidos já dormentes,
O corpo quer, a alma entende.

Esta é a terra-de-ninguém
Sei que devo resistir
Eu quero a espada em minhas mãos.

Eu sou metal, raio, relâmpago e trovão
Eu sou metal, eu sou o ouro em seu brasão
Eu sou metal, me sabe o sopro do dragão.

Não me entrego sem lutar
Tenho, ainda, coração
Não aprendi a me render
Que caia o inimigo então.

IV

- Tudo passa, tudo passará...

E nossa história não estará pelo avesso
Assim, sem final feliz.
Teremos coisas bonitas pra contar.

E até lá, vamos viver
Temos muito ainda por fazer
Não olhe pra trás
Apenas começamos.
O mundo começa agora
Apenas começamos." - Metal Contra As Nuvens (Renato Russo)