quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Francisca (A história da arte) I

* Inspirado em uma amiga

Eu gosto de arte. Não, não. Eu amo a arte. Desde menina, eu montava instrumentos musicais com os meus irmãos e fazíamos umas batucadas no quintal de casa, ou na calçada para todos os vizinhos verem e ouvirem. Era uma época doce e amarga. Nossa família não tinha condições para dar-nos um futuro melhor. Se ao menos fôssemos filhos de políticos ou artistas, quem sabe... Mas não. A vida não era bem assim.

Quando eu conseguia livretos na escola e trazia para casa, minha mãe, bruta como era, gritava-me na frente dos mais novos. Muitas vezes rasgou as historiazinhas que eu gostava de degustar. Não tive incentivo, nem muito menos apoio. Achava divinas as apresentações de coral na igreja próxima a minha casa. Achava bonito ver as meninas mais velhas da escola cantando na noite de São João. Eu queria estar ali e não podia. Mamãe sempre dizia: “Num pense em ser como aquelas outras da escola! Quica, Quica – ela me chamava assim - , tume a frente das carroça, e cuide in ser trabaiadora, mulé! Fica querendo aparecer dando uma de autista, montando esses lixo como instrumento. Vá simbora trabaiar!”.

Mamãe era uma sofrida. Não estudou e sempre, desde os 11 anos de idade, trabalhava para ajudar vovó Bainha. Abandonada por papai, assim que estava buxuda do terceiro filho dos cinco, ela deu um duro danado para nos manter e mandar pra escola. Há uma contradição nas atitudes de mamãe. Ela cantava os sambas que ouvia pela rua e nas redondezas, achava bonitas as apresentações de Natal que tinha na praça do bairro, e queria que fôssemos “gente”. Paradoxalmente, mamãe me negava o direito de ficar com livros dentro de casa e ir se achegando com as meninas do coral da escola, ou ficava enfurecida quando via minha bagunça e dos meus irmãos no quintal ou na porta de casa.

Trabalhei como babá, empregada doméstica e jardineira em casa de político e empresário. Desde os meus 14 anos, uma guerreira – sim, sinto-me como uma grande guerreira!

Seu Duquinha, um dos empresários para o qual eu trabalhei na casa, gostava muito de mim. Nas reuniões e festas de família, chamava-me de longe: “Ciiisca! Vem aqui, Cisca! Quero que os meninos – filhos dele – fiquem lindos. Ou melhor, mais lindos. Quero a casa bem arrumada e decorada. Amanhã vai ter festa aqui. E sei dos seus talentos!”. Nunca, em todos meus 17 anos, tinha ouvido um elogio desse. Foi como receber um presente. Perguntava-me direto “Que talentos? Eu só vou criando, criando, e dá nisso”. Fiz como seu Duquinha pediu. Montei tudo, decorei toda a casa, dormi tarde para deixar nos eixos, enfeitei os meninos e no final me senti uma artista. Uma produtora.

Eu sabia assinar o meu nome, ler, entender as coisas. Estudei até a 4ª série do fundamental. Sonhava em um dia ser reconhecida pela arte que fazia ou ainda estava por vir. Não pensava no dinheiro. Pensava no reconhecimento, no autoego, na felicidade estampada nos rostos das pessoas, na minha liberdade pessoal e artística. Isso tava tão longe...

Mas quem disse que a gente não consegue? Só se for seu inimigo ou alguém da família importunando você com a ideia absurda de tornar-se um artista. Continuei sem estudar, sem ter apoio da família. Fazia as minhas “artes” e ganhava os mesmos elogios dos patrões e amigos próximos. Eu queria mais. Queria ajuda. Queria prosseguir no meio artístico. Achava tudo tão a minha cara, tudo tão fácil de mostrar para os outros. Difícil seria eles entenderem. Eu pus na cabeça: “Quando tiver os meus filhos, e se eles nascerem com o dom da arte, farei de tudo para que alcancem os sonhos e realizem.

Então, eu engravidei...