quinta-feira, 24 de junho de 2010

Francisca (A história da arte) III

Exatamente aos 63 anos de idade concluí o ensino médio. Aos 65 anos fiz o meu primeiro vestibular! Passei dois anos me dedicando para o vestibular, porque achava que para matar um bicho de 7 cabeças, eu deveria criar várias estratégias e por em prática todas elas. As dúvidas surgiram. Eu não sabia o que escolher para cursar na universidade. Artes Visuais, Teatro, Dança? Nenhum desses foi o meu escolhido. Ciências Sociais foi a escolha certa. Hoje sou socióloga de uma instituição federal aqui no estado. Estou com 71 anos e sinto-me jovem a cada dia. Nas horas vagas eu produzo em casa. Pinto telas e faço alguns objetos decorativos para toda a casa.

Já participei de 3 concursos culturais aqui na cidade e fui convidada pelo secretário de cultura do estado, para apresentar os meus trabalhos na Itália, França e Inglaterra. Agarrei todas as oportunidades e fui. Vivi 2 meses em todos esses países. Não conseguia acreditar onde estava. Quando eu estava na França, fui até Paris e conheci a Torre Eiffel. Lembrei de que um dia, limpando a mesa do escritório de um chefe meu, eu vi uma miniatura em bronze e me imaginei estando lá, de frente aquela obra de arte gigantesca! Eis que o sonho, o pensamento, a fé, estava sendo realizado.

Lágrimas desceram sobre o rosto. A pele sentiu-se gelada. Os pensamentos eram de tristeza e felicidade. As letras que li durante o período de estudo aqui no Brasil, agora estavam explodindo de emoção diante da Torre Eiffel. Foi um momento prazeroso. Foi um primeiro e único momento. Senti-me realizada. Senti-me a mulher mais feliz do mundo, mesmo sabendo que existiam outras iguais a mim.

Aquela viagem à Europa marcou por demais a minha vida profissional e PESSOAL. Depois de ter acabado o segundo dia da mostra dos quadros em Londres, Inglaterra, eu fui conhecer a Tower Bridge. Sim, sim. A minha câmera fotográfica clicava cenas daquele fim de tarde na capital fundada pelos romanos. Parece que tudo estava interligado. Eu, nessa idade, ainda me surpreendo com as coisas da vida. Encontrei um grande amigo que trabalhou comigo há uns 15 anos. Pura coincidência! Diante da Big Eye, eu chamei um rapaz, que nunca imaginaria que fosse o meu amigo, para tirar uma foto minha com o fundo pegando a roda gigante. Deus, deus...

Ele estava acompanhado de um homem. Os dois estavam estudando Comunicação na Arte e Estudos Jornalísticos para Rádio/TV em uma universidade de Londres, e ganhavam uma grana como fotógrafos de uma revista cultural de lá. O homem que acompanhava o meu amigo, hoje é o meu esposo. Engraçado como o mundo dá voltas... Engraçado como deus sabe REALMENTE o que fazer e como fazer e onde fazer as coisas darem certo. O meu marido e eu moramos juntos. O meu amigo ainda mora lá em Londres. Recebeu algumas propostas e aceitou ficar por lá. No próximo semestre iremos visita-lo. O Eurípedes é supervisor de programação de um jornal local aqui na cidade.

Estou com 71 anos e ele com 73. Não paramos ainda de trabalhar, de produzir e de curtir a nossa vida. Hoje mesmo, assim que eu acabar de escrever essa “história da arte” irei cuidar nas coisas domésticas e vou encontra-lo na academia. Toda segunda, quarta e sexta praticamos Pilates. Terça e quinta praticamos musculação. É bom, sabe? É bom deixar o corpo acordado para a vida! É bom poder dividir uma casa com um amor, com um verdadeiro amor. Dividir a sua vida pessoal e profissional com um melhor amigo. Eu amo o Eurípedes e amo tudo que fazemos juntos. Somos os dois “velhinhos” bajulados pelos “jovenzinhos” da academia.

(O telefone toca. O telefone toca sem parar.)

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Francisca (A história da arte) II

Então eu engravidei e tive aos troncos e barrancos os meus dois filhos. O pai, cachaceiro e mulherengo do jeito que era, deixou-me sozinha. Eu era como muitas Franciscas nordestinas: pobre, negra, sem estudo suficiente, com pais pobres e ignorantes, grávida e tinha um homem daquele jeito. Às vezes eu olhava para a minha casa e pensava em mudar todo aquele estado precário. Mas me diga: de onde eu iria tirar dinheiro para restaurar o meu cantinho e dar uma vida digna aos meus filhotes?

Uma vez, quando Bruninho estava com 8 anos, ele me pediu um carrinho de plástico que estava a venda no mercadinho do bairro. Eu lembro do sorriso largo e doce no rostinho dele pulando ao meu lado dizendo “Maiiinha! Maiiinha! Compra pra mim! Nielson tem um carrinho igual a esse... Ele sempre leva pra escola e não deixa eu brincar porque disse que foi muito caro e foi a mãe dele que deu”. Quantas mães, com o pouco dinheiro que recebe, não fica comovida em um pedido desse? O meu coração apertava todas as vezes que Bruninho olhava daquele jeito e comentava sobre algum amiguinho da escola.

Dentro de casa era um sufoco. Eu recebia uma cesta básica de quinze em quinze dias do meu trabalho, mas não dava para sustentar três bocas. Às vezes eu chegava em casa a noite e tinha saco de biscoito aberto... Biscoito espalhado pela casa... Espalhado na porta da cozinha para o quintal. Imagina a cena: o Bruninho e o Júnior dava comida para os cachorros! Aquilo me irritava tanto, mas eu não podia bater neles, nem muito menos falar em tom alto. Não queria que os meus filhos sofressem o que sofri. Conversava com os dois meninos e mostrava-lhes a nossa situação. Praticamente jogavam fora a pouca comida que tínhamos.

Eu passei por uns bocados. Muitas vezes desmaiei de fome dentro do trabalho e era levada ao posto médico mais próximo para tomar soro. Fiz tantas coisas para os meus meninos. E tornaram-se homens. Bruninho gostava muito de música, assim como Júnior. Tiveram uma grande influência da mãezona aqui. Eu ouvia de tudo: rock, pop, mpb, axé, forró... Eu sempre gostei de cultura. É uma das peças fundamentais para o crescimento pessoal. Com o meu esforço no trabalho, consegui comprar uma vitrola usada. Fizemos uma festinha lá em casa. Foi um momento tão especial...

No final da adolescência dos meus filhos, eles resolveram se juntar aos amigos para montarem uma banda de pagode. Muitas águas rolaram durante esse período. As brigas entre os dois meninos cresciam. Um queria ser melhor do que o outro, e, ao mesmo tempo, os dois sentiam-se envergonhados ou faziam-se de doidos quando alguém os elogiavam. Eu era uma dessas pessoas que fazia elogios a todo instante. Mas não tinha jeito! Os meus filhos receberam convites de alguns grandes nomes da música brasileira. Receberam convites para irem tocar fora do Brasil. Doce ilusão... Nunca foram! E eu queria tanto que eles se empenhassem e fossem longe com esses talentos... Porém, nem tudo que as mães ou os pais querem para os filhos é o que eles também querem. Resolvi ficar na minha e apenas ver a banda passar literalmente.

Negra, zeladora, morando em um bairro pobre da zona norte, ganhando pouco, fazendo algumas artes, vivendo como deus manda e rejeitada por um dos meus filhos. Aos 57 anos, se não me falhe a memória, eu estava nessa situação. Fui praticamente intimada a sair da minha própria casa, para poder abrigar o meu filho, minha nora e a filhinha deles. Eu e o meu cachorrinho PLOCK fomos procurar outro lugar, porque viver com uma mulher que esconde comida de você, viver com um filho que não dá as horas quando chega em casa, nem muito menos quando sai, por mais que esse filho já seja BEM MAIOR de idade, não dá certo!

Fui morar em uma casinha de três cômodos – sim, tinha um pequeno quintal – com uma amiga minha. Fiquei durante dias e dias doente. Passei o Natal só, Ano Novo só... Eu queria os meus filhos perto de mim, eu queria um amor. Eu tinha só o meu cachorrinho e a fé em deus de que um dia eu iria viver melhor. E mesmo que os meus dois filhos não dessem a mínima nessa fase da minha vida, eu não deixaria de perdoa-los jamais. Não deixaria de amá-los. Porém, como a minha avó dizia nos meus 11 anos: “Quica, o que se faz aqui, se paga aqui. Não adianta fugir, porque um dia você irá pagar aqui”. Penso isso sobre os meus meninos.

O Bruninho conseguiu a própria casa. O Júnior foi morar em São Paulo para tentar a vida como músico. Durante 5 anos ainda fiquei pagando aluguel. Depois que o Bruninho saiu da minha casa, eu voltei e fiz uma reforma com um dinheiro que o Júnior mandou de uma das apresentações dele lá pro lado do sudeste. Estava feliz. A casinha toda bonita, as flores bem vivas, meus cachorrinhos crescidos e o meu gato MILK dormindo direto no sofá branco da sala. Eita que vida boa. Faltava tornar-se ótima...





* * *




Peço desculpas pela demora em postar algo novo aqui neste cantinho. Tenho oculpado muito o meu tempo com diversas tarefas e prazeres. Muitas tarefas tem me deixado chato. Na verdade não as culpo: culpo esse pouco tempo. Trabalho, curso de idioma, auto e moto escola, coisas familiares e amorosas, e logo mais universidade. Claro, eu sei que não devo ficar relatando sobre a minha vida aqui no blog, afinal, a proposta que eu criei para este lugar é para relatar sobre outras pessoas e/ou personagens fictícios - posso até surgir entre algum desses... Soube da mudança no layout do BLOGGER e resolvi voltar e mudar algumas coisinhas: layout, endereço, que antes era "nobreepigono" e agora passa a ser "nobreepiteto", nome e foto de perfil e música e leitura.




Na última postagem "Francisca (A história da arte) I" , recebi comentários de pessoas queridas. Irei invadir o lugar de vocês em breve. O blog Do Fundo do Meu Pâncreas presenteou-me com um selo:

“Com o Prêmio Dardos se reconhece os valores que cada blogueiro mostra cada dia em seu empenho por transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais etc., que, em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, entre suas palavras."

E possui três regras:
1- aceitar exibir a imagem.
2- Linkar o blog do qual recebeu o prêmio.
3- Escolher 10 blogs para entregar o Prêmio Dardos
Muito obrigado! Perdão pelo exagero no post de volta!