quinta-feira, 27 de agosto de 2009

De um americano

Londres, 12 de setembro de 1940

Querida mãe,

Meu coração estremeceu quando cheguei à Inglaterra em maio deste ano. Foi uma longa viagem a navio de Boston para cá, mas senti que estaria em minha terra. País rico, bonito, com um ministro que demonstra afeto à nação da Grã-Bretanha. Se não fossem os temidos...
A senhora, meu querido pai, e todos os norte americanos já devem saber do que ocorreu no começo do mês passado aqui. Os pássaros pretos atacaram contra os portos e navios britânicos ao sul. Os campos de aviação foram demolidos em grande parte. Estamos sem poder dar continuidade à fabricação de novos aviões de guerra.

Ontem, o primo de um amigo de quarto, chegou para contar-nos da família deles que vivem em Southampton. Todos morreram com as bombas que foram lançadas à cidade. Apavorados estamos...

Partiremos, então, amanhã cedo para o leste da ilha, Lowestoft. Apesar das idéias do ministro, não estamos confiantes em permanecer aqui em Londres. Atravessaremos o canal até a Holanda. Chegando lá, procuraremos refúgio (provisório), e escreverei para todos.

A noite londrina está gélida como os nossos corações. As aulas na universidade foram interrompidas. Não existe um dia exato para a volta.

Apenas acabou de começar.
Deus nos abençoe.
Com carinho,

George Warts

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Os dois [ segunda parte ]

Quatro semanas já se passaram.
Tiveram o primeiro beijo. Foi diferente para os dois. Passaram um fim de semana no hotel Le Mathurin. Ele comprou o vinho que ela adorava. Comprou chocolates. Brindaram e comeram. Amaram-se ao som de Animals. Devoraram-se...

Ela puxava-o pelos cabelos lisos e louros dele. Olhava com calor para os olhos escuros e belos. Arranhava-o com suas unhas medianas nas costas, nos braços fortes, nos ombros. Ela dominava-o. Arranhava com carinho as coxas grossas e seus poucos pelos. Lambia-o na cintura, no umbigo, na barriga fina, nos mamilos atraentes. Beijava-o ferozmente.

Ele tinha-a em seu corpo. Comeu aquele corpinho finlandês. Beijou-a lentamente. Queria sentir cada traço dos lábios. O gosto doce do beijo. A língua em sua língua. Ele queria chupá-la, agarrá-la, musicalizá-la. Beijava-a toda. Aquele corpinho límpido e juvenil. Ele sentia orgasmos multiplicando-se no corpo.

Estavam em Paris.

Ele, Orlando. Ela, Vanessa. Os dois: música e literatura.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Os dois [ primeira parte ]

Conheceram-se no colegial. Não tiveram muita comunicação. Amigos apresentaram-nos. Em 1994, fizeram curso de intercâmbio em Paris. Caminharam naquelas ruas bonitas e compostas de música. Entraram em livrarias, cafés, parques, cinemas. Às vezes estudavam juntos por 3 horas seguidas nas bibliotecas públicas que Paris tinha a oferecer, ou até mesmo na casa dos amigos dele.


Ele conhecia muitos nomes da literatura ocidental. Lia sempre. Devorava as poesias, contos de Virginia Woolf. Gostava de Lispector, de Assis. Ela abraçava e mordia obras de escritores brasileiros também. Mas viajava nos contos completos de Woolf. A claridade no jeito como Virginia escrevia, mesmo com uma subjetividade em alguns dizeres, em alguns desejos, atiçava os pensamentos dela para um direcionamento alma-literário mais forte.

Ouviam The Beatles, Pink Floyd, Chico Buarque, Tropicália, Björk, música clássica. Compraram alguns discos para levarem quando fossem para o local onde nasceram. Riam juntos recordando cada época da vida ouvindo músicas que outrora os dois não compartilhavam.


Nesse tempo em Paris, ela fez uma tatuagem na panturrilha. Era a maçã dos Beatles. Ele resolveu fazer uma menina de vestido preto soltando um balão em formato de maçã (vermelha). Queriam uma marca no corpo para que um lembrasse-se do outro. Pareciam duas crianças embaixo da Torre Eiffel. Bobos com vários livros nas mãos, mochila nas costas, pensamentos a mil.

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Ganhei este selo da minha querida leitora Vanessa:
Tenho que indicar mais cinco blogs. Então, os queridíssimos e comtemplados são: Mundos (In)Versos, Palavras Quase Ocultas, Intersemiótica (da minha querida Aline Dias - Aline, não sei o que houve com o endereço. Clico e não consigo acessar), Em Processo Es (X)tático, Do Fundo do Meu Pâncreas .
a)Musica mágica: Off He Goes - Pearl Jam.
b)Filme mágico: A Fantástica Fábrica de Chocolates.
c)Viagem mágica: aquela.
d)Maquiagem mágica: seu sorriso, meu amor.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Para Vanessa

Paris, 14 de dezembro de 1997
Minha linda rosa,
O meu coração, gasto de saudade, acelera todas as manhãs pelas ruas de Paris. Vejo os casais andando de bicicleta pelas ruas, ou deitados em algum parque ou praça. Os enfeites do Natal mostram a luz de felicidade em cada um. Lojas apresentam o “Papai Noel”, e suas promoções para celebrar com muito amor o dia do menino Jesus.
Jingle Bells toca nas esquinas, nas lojas de discos, nas livrarias e shopping centers. Aqui no trabalho, montaram uma árvore, onde, aos pés dela existem presentinhos do ‘amigo secreto’. No canto da minha mesa, uma foto de nós três. O Rocco com o sorriso do paizão. Você, com o olhar de mulher-menina-sapeca. E eu, com meus escuros óculos de grau olhando para o lado. Quanta saudade de vocês dois!

Matematicamente calculando os segundos para voltar para Espoo.

Lindamente lendo Dom Casmurro, daquele grande escritor brasileiro. Voltei-me a lê-lo porque lembrei quando fomos ao Rio de Janeiro e a Natal. Você com aquela cara: “Ah, não compra, meu bem. Querias tanto A Hora da Estrela, não?”. Sim. Não comprei Dom Casmurro, mas sim, o outro. E acabei de ler na viagem para Natal.

Vi Dom Casmurro na prateleira da livraria em Natal. Desta vez, você comprou para mim. Foi tão interessante, porque no mesmo dia, na cama do hotel com você ao meu lado lendo-o para mim, eu dormi. E bobo, abestalhado por você, acordei com uma vontade incontrolável de beijá-la, abraçá-la, comê-la.

Em frações de segundos a saudade aperta. Conto todo o tempo que falta. Para aliviar essa dorzinha constante, comprei o seu presente de Natal. O do Rocco também está aqui. Voltamos em breve. Eu, Casmurro, Orlando e Macabéa.

Je t'aime avec tous les ballons en forme de coeur.

Orlando

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Orlando, mais uma para você

Espoo – Finlândia, 04 de abril de 2002

Os ventos aqui em Espoo acalmaram-se. Tenho conseguido ir ao trabalho, e voltei a ler meus livros e jornais. Encomendei um novo papel de parede para dar vida ao quarto, aos corredores, a cozinha, a sala, a toda a casa. Tintas estão secando na parte exterior. Enfim, troquei o cercado do jardim, e plantei mais duas coníferas para o próximo natal.
Logo ao acordar, hoje, dei bom dia para você, mas acho que não ouviu. Ciciei por seu nome, e aquele pássaro não pousou na janela como das outras vezes. Relevo esse dia insípido. Por isso, não tive um dia maravilhoso.

Chocolates.

Quando fui para o escritório, dei de cara com aquela loja onde comprávamos os nossos doces. Vi um cartaz que dizia em letras bem grandes: PROMOÇÃO! LEVE 5 CHOCOLATES FLOOPS E GANHE 1 EM FORMATO DE CORAÇÃO!. Bom demais para ser verdade. Uma: eu queria comer chocolate. Outra: eu queria matar a saudade de entrar na loja e ganhar um daqueles corações.

Tudo tão real. Algo tão irreal. Algo incerto.

Trouxe todas aquelas coisas para casa. Aluguei um filme. Fiz um suco ao leite de uva. Sentei-me na poltrona da sala, e pus-me a devorar tudo. Lágrimas não mais desceram no rosto. Minto. Chorei ao ver uma cena linda de Notting Hill. Lembrei da vez em que fomos assisti-lo no cinema.

Olho para o porta-retrato e vejo você ao lado de Orlando. Quase que o pego. Deixei-lo descansar em meio a tantos outros Orlandos. E o movimento lento das páginas Noite e Dia, leva-me aos atos auspiciosos de uma insídia. Agora não seria o momento apropriado para tal.

Mas eu estou bem, meu amor. Eu estou bem e não mais sem cuidado.

Aguardo...

Vanessa

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Para Orlando

Espoo - Finlândia, 07 de agosto de 2009

Recolho-me nesta noite em minha casa de campo. São exatamente 21h50 do dia 07. Hoje, fez-se dez anos o falecimento do meu marido e do meu filho. Olho para a lareira acesa no quarto, onde outrora, nós três permanecíamos atentos a cada grito de graveto. Quando pegávamos o nosso vinho italiano, e bebíamos demasiadamente por horas ao ouvir canções de David Gilmour.

Em cima da mesa, descansa Orlando. Quem me faz chorar como uma criança quando é ferida por um pai ou uma mãe que não dá um tão sonhado brinquedo. Descansa olhando-me masculinamente como uma mulher. E eu, eterna de dores, respiro lentamente as palavras desenhadas em seu corpo límpido. Há, entre nós, cenas de felicidade mútua e duradoura. Corre, entre nós, a chama do desejo em trazer aqueles dois homens para o meu leito sangrio.

Os poros em meu rosto de boneca “anos 20”, como ele dizia, parecem entregar-se ao mau tempo. Ao tempo composto de ondas revoltas, ventos fortes, e frio poderoso de amargura. Eu falo das lágrimas agora correntes em meu rosto. Falo delas. Cansam a alma, cansam todo o meu corpo. Porque a dor sobre saiu mais resistente de mim. A dor grita clara e altamente em bom som.

Beira Das incertezas.

E mesmo buscando em você, Orlando, eu sinto cada sílaba dos teus textos na minha mente gritante de refúgio. Mesmo vivendo com você todos esses anos brancos, eu sinto, agora, incertezas que talvez não consigam se curar. Vejo apenas as minhas linhas. Linhas ora corrompidas de exaustão. Linhas e parágrafos e versos e metáforas e poesias devastadoras do nosso amor doentio e belo. Paradoxalmente feito.

Na cama, aqui bem do meu lado, a girafinha do nosso querido doce, olha-me sentindo a falta do alguém. Puxo o cobertor. Puxo um pouco mais as minhas meias. Olho fixamente o desenhar de tuas letras, de tuas declarações de amor, de tuas declarações infantis e penosas. (basta!)

Já, e tão grandiosamente já, sinto que estou prestes a entregar-me a outro. Porque de nada adianta eu viver aqui. De nada adianta eu olhar para a janela à minha frente e ver a dança dos pássaros, ou, quem sabe, o único olhar daquele anjo. Não adianta assistir passivamente os aplausos para os teus gestos heróicos de homem puro dando margem a um OUTRO LUGAR.

E à nossa criança, que sinto muito por sua morte, tenho a sensação de que somente ela irá me levar ao mar, à água além-mar. Ao sofrimento constante. Ao paradoxo. Ao lugar, não sei onde, de paz. Ao cais.

Vanessa

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Dois.

"O Inconsciente me assombra e eu nêle tolo
Com a eólica fúria do harmatã inquieto!" - Augusto dos Anjos

"Luta mental significa pensar contra a corrente, não com a corrente.
É nosso trabalho perfurar as bolsas de gás
e descobrir as sementes da verdade." - Virginia Woolf



Algo me traduz.