quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Carta à morte

Vivência, 09 de Outubro de 1949

Meu nome é Guilhermina, chamam-me de Gui, e tenho algumas dúvidas quanto a sua existência. Não sei onde estás nesse exato momento. Deve estar em qualquer esquina matando os seres humanos de fome. Ou melhor, a fome tá matando... Você apenas transporta-os para a nova vida. Deve tá levando aqueles que foram bombardeados nos campos onde concentra-se a ação. Ou quem sabe, deve estar dormindo nos túmulos sujos de cada cemitério sombrio.

Faz duas semanas que perdi um dos meus melhores amigos num rio próximo a minha casa. Eu não estava com ele na hora. Tinha acabado de sair do nosso passeio junto ao Rubens, Otávio, Aninha e Maria Clara. Éramos seis “crianças” curtindo um fim de semana depois de 5 dias de aula. Não recebi a notícia da morte do meu amigo, Pedrinho, no mesmo dia. Eu era a mais próxima dele. Acharam melhor contar o ocorrido no dia seguinte, uma hora antes de seu velório.

Sabe morte, eu tenho medo de deixar meus amigos, familiares e esse mundo que tem tanta coisa pra me mostrar ainda. Quero saber porque você vem de repente e leva alguém tão especial para longe de mim. O que eu te fiz? Eu nem se quer chamo você... Não é a primeira vez que isso acontece, nem muito menos será a última vez. Disso eu tenho certeza. Posso até estar enganada, não é?

Por que você levou tanta gente agora no término dessa Segunda Guerra Mundial? Eu fiquei sabendo em partes desse fato histórico. Quando chegava alguma notícia no rádio da minha casa, meus pais pediam pra eu sair e ir brincar com meus amigos. Mas não adiantava. O pai do Rubens trabalhava nas forças armadas, e lá ele colhia várias informações a respeito da guerra. O Rubens, que gostava de histórias de guerra, contava-nos quase tudo. Meu avô, você também o levou para longe de mim. Isso mesmo. Você sabe onde pegou, não é? Às vezes penso que nem um poeta dos anos 2000:

“E isto é tão sem norte...
..mas tanto, que persigo, evoco, dou fé,
só pra ver se existe.”. - Cândido

Eu estou com meus exatos 15 anos, e sinto-me uma criança ainda em meio a tudo que tem acontecido na minha vida. Por outro lado olho, e entro em contradição. Acho que já sou tão adulta quanto meu irmãozinho de 8 anos.

Por favor, morte, conte-me o porque das suas ações. Não esconda nada. Eu soube de uma coisa: você conhece a história de uma menina que roubava livros? Bem, o meu avô contou isso numa carta que enviou-me da Alemanha. Ele disse que essa menina viveu intensamente essa segunda guerra, assim como eu. É verdade?

Com ódio,

Guilhermina Rodrigues – a louca no mundo da saudade


[ um pouco de inspiração no livro do Markus Suzak ]

2 comentários:

Anônimo disse...

mortre, morte, morte que talvez seja o segredo dessa vida!

@candido_dan disse...

Nossa!Juro que estava a ler este seu "escrito" e justamente pensando na música do Raul, que é essa que sua amiga pôs aí em cima...uAHuHAUha...que coisa...

Brigado pela minha participação especial.

mas acredite,a morte não é o fim, é na verdade o recomeço...

:)