segunda-feira, 21 de junho de 2010

Francisca (A história da arte) II

Então eu engravidei e tive aos troncos e barrancos os meus dois filhos. O pai, cachaceiro e mulherengo do jeito que era, deixou-me sozinha. Eu era como muitas Franciscas nordestinas: pobre, negra, sem estudo suficiente, com pais pobres e ignorantes, grávida e tinha um homem daquele jeito. Às vezes eu olhava para a minha casa e pensava em mudar todo aquele estado precário. Mas me diga: de onde eu iria tirar dinheiro para restaurar o meu cantinho e dar uma vida digna aos meus filhotes?

Uma vez, quando Bruninho estava com 8 anos, ele me pediu um carrinho de plástico que estava a venda no mercadinho do bairro. Eu lembro do sorriso largo e doce no rostinho dele pulando ao meu lado dizendo “Maiiinha! Maiiinha! Compra pra mim! Nielson tem um carrinho igual a esse... Ele sempre leva pra escola e não deixa eu brincar porque disse que foi muito caro e foi a mãe dele que deu”. Quantas mães, com o pouco dinheiro que recebe, não fica comovida em um pedido desse? O meu coração apertava todas as vezes que Bruninho olhava daquele jeito e comentava sobre algum amiguinho da escola.

Dentro de casa era um sufoco. Eu recebia uma cesta básica de quinze em quinze dias do meu trabalho, mas não dava para sustentar três bocas. Às vezes eu chegava em casa a noite e tinha saco de biscoito aberto... Biscoito espalhado pela casa... Espalhado na porta da cozinha para o quintal. Imagina a cena: o Bruninho e o Júnior dava comida para os cachorros! Aquilo me irritava tanto, mas eu não podia bater neles, nem muito menos falar em tom alto. Não queria que os meus filhos sofressem o que sofri. Conversava com os dois meninos e mostrava-lhes a nossa situação. Praticamente jogavam fora a pouca comida que tínhamos.

Eu passei por uns bocados. Muitas vezes desmaiei de fome dentro do trabalho e era levada ao posto médico mais próximo para tomar soro. Fiz tantas coisas para os meus meninos. E tornaram-se homens. Bruninho gostava muito de música, assim como Júnior. Tiveram uma grande influência da mãezona aqui. Eu ouvia de tudo: rock, pop, mpb, axé, forró... Eu sempre gostei de cultura. É uma das peças fundamentais para o crescimento pessoal. Com o meu esforço no trabalho, consegui comprar uma vitrola usada. Fizemos uma festinha lá em casa. Foi um momento tão especial...

No final da adolescência dos meus filhos, eles resolveram se juntar aos amigos para montarem uma banda de pagode. Muitas águas rolaram durante esse período. As brigas entre os dois meninos cresciam. Um queria ser melhor do que o outro, e, ao mesmo tempo, os dois sentiam-se envergonhados ou faziam-se de doidos quando alguém os elogiavam. Eu era uma dessas pessoas que fazia elogios a todo instante. Mas não tinha jeito! Os meus filhos receberam convites de alguns grandes nomes da música brasileira. Receberam convites para irem tocar fora do Brasil. Doce ilusão... Nunca foram! E eu queria tanto que eles se empenhassem e fossem longe com esses talentos... Porém, nem tudo que as mães ou os pais querem para os filhos é o que eles também querem. Resolvi ficar na minha e apenas ver a banda passar literalmente.

Negra, zeladora, morando em um bairro pobre da zona norte, ganhando pouco, fazendo algumas artes, vivendo como deus manda e rejeitada por um dos meus filhos. Aos 57 anos, se não me falhe a memória, eu estava nessa situação. Fui praticamente intimada a sair da minha própria casa, para poder abrigar o meu filho, minha nora e a filhinha deles. Eu e o meu cachorrinho PLOCK fomos procurar outro lugar, porque viver com uma mulher que esconde comida de você, viver com um filho que não dá as horas quando chega em casa, nem muito menos quando sai, por mais que esse filho já seja BEM MAIOR de idade, não dá certo!

Fui morar em uma casinha de três cômodos – sim, tinha um pequeno quintal – com uma amiga minha. Fiquei durante dias e dias doente. Passei o Natal só, Ano Novo só... Eu queria os meus filhos perto de mim, eu queria um amor. Eu tinha só o meu cachorrinho e a fé em deus de que um dia eu iria viver melhor. E mesmo que os meus dois filhos não dessem a mínima nessa fase da minha vida, eu não deixaria de perdoa-los jamais. Não deixaria de amá-los. Porém, como a minha avó dizia nos meus 11 anos: “Quica, o que se faz aqui, se paga aqui. Não adianta fugir, porque um dia você irá pagar aqui”. Penso isso sobre os meus meninos.

O Bruninho conseguiu a própria casa. O Júnior foi morar em São Paulo para tentar a vida como músico. Durante 5 anos ainda fiquei pagando aluguel. Depois que o Bruninho saiu da minha casa, eu voltei e fiz uma reforma com um dinheiro que o Júnior mandou de uma das apresentações dele lá pro lado do sudeste. Estava feliz. A casinha toda bonita, as flores bem vivas, meus cachorrinhos crescidos e o meu gato MILK dormindo direto no sofá branco da sala. Eita que vida boa. Faltava tornar-se ótima...





* * *




Peço desculpas pela demora em postar algo novo aqui neste cantinho. Tenho oculpado muito o meu tempo com diversas tarefas e prazeres. Muitas tarefas tem me deixado chato. Na verdade não as culpo: culpo esse pouco tempo. Trabalho, curso de idioma, auto e moto escola, coisas familiares e amorosas, e logo mais universidade. Claro, eu sei que não devo ficar relatando sobre a minha vida aqui no blog, afinal, a proposta que eu criei para este lugar é para relatar sobre outras pessoas e/ou personagens fictícios - posso até surgir entre algum desses... Soube da mudança no layout do BLOGGER e resolvi voltar e mudar algumas coisinhas: layout, endereço, que antes era "nobreepigono" e agora passa a ser "nobreepiteto", nome e foto de perfil e música e leitura.




Na última postagem "Francisca (A história da arte) I" , recebi comentários de pessoas queridas. Irei invadir o lugar de vocês em breve. O blog Do Fundo do Meu Pâncreas presenteou-me com um selo:

“Com o Prêmio Dardos se reconhece os valores que cada blogueiro mostra cada dia em seu empenho por transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais etc., que, em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, entre suas palavras."

E possui três regras:
1- aceitar exibir a imagem.
2- Linkar o blog do qual recebeu o prêmio.
3- Escolher 10 blogs para entregar o Prêmio Dardos
Muito obrigado! Perdão pelo exagero no post de volta!

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