domingo, 9 de março de 2008

Correspondência


Trento, 09 de Março de 1962

Minhas angústias de nada mais adiantam. Minhas palavras de amor, de dor, de tristeza, de fúria, não adiantam mais ser ditas pra você. Fostes como se fora um pássaro. Não mais irás voltar pros meus braços, nem tampouco pra minha boca fina cheia de desejos incalculáveis.

Vivo aqui, querido. Esperando que uma luz, de não sei onde, apareça para dar uma alegria em minha vida. Vivo com menos ousadia. Vivo e ao mesmo tempo não vivo. Não sei como continuar essa jornada sem ter você perto de mim. É tão difícil, Augustino.

Fui anteontem à Catedral de São Virgílio. Rezei para que o Nosso Senhor Jesus Cristo leve-me daqui. Tenho uma paixão, agora, de querer cometer um suicídio. Mas é só uma paixão. É um querer platônico, sabe? Suas filhas tentam ajudar-me o quanto pode. Porém, continuo querendo morrer. Será que você irá responder esta carta, meu amor? Já estou tão velha, e penso que isso pode acontecer. Estranho...


Como é ai embaixo? Os insetos, baratas, formigas, minhocas e o demônio já te devoraram? Nossa! Deve estar sendo um horror todos estes vermes ficarem tirando o seu juízo. Os passarinhos aqui fora ainda cantam aquela nossa música de quando éramos jovens. Todos eles chegam perto de mim com seus violinos, flautas e cantam... Cantam... Cantam como nunca!

Sento-me ainda na cadeira que fica ao lado do nosso piano. Sento-me, e vejo aquele nosso retrato tão antigo, do tempo da guerra. Os dois sérios, porém escondiam debaixo daqueles rostos uma felicidade comparada à galáxia! Estávamos tão felizes, mesmo estando rodeados de bombardeios no mundo. Mesmo estando com medo de tudo... E agora? Cadê você?


Oh, Augustino! Resta-me ao menos a tua boca carnuda para desenhar linhas apavorantes de paixão em meu corpo delineado? Resta-me ao menos teus olhos para olhar nos meus quando a lua encostar na janela do nosso antigo quarto e refletir aquela luz nos olhos teus? Resta-me ao menos aquelas tuas linhas de carne saborosa que eu sempre lambia e provava com todo o meu gás?


Meu amor. Apenas consigo ser ousada quando escrevo pra ti. Apenas consigo escrever cartas pra ti. E ouvi dizer que estas cartas não voltarão com as devidas respostas. Volta pra mim, Augustino! Volta e não vais mais embora, meu berilo...

De sua eterna mulher,

Flora.
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Os dias estão cada vez mais corridos. Mas se faço algo que gosto, que dou fé, que sinto um alívio e amor pelo que escrevo, volto ao meu lugar de sempre para descrever vidas de pessoas que estão e não estão ao meu redor. Se eu pudesse abraçaria todas, e guardava dentro de uma caixinha onde eu levasse para qualquer lugar. Trabalho, caminhada, atividade esportiva, curso de inglês, cursinho pro vestibular... Pra Lua, sabe? É isso. Está tudo datilografado.
Um abraço. E ótimo começo de semana!
*lembrando que sexta tem o dia da poesia, e no sábado tem festinha lá no meu pai. Oba!
1 year and 4 months [ there's a meaning ]
;]

7 comentários:

@candido_dan disse...

pobre Flora, que maldade! :p

lembra - me um pouco o desespero apaixonate das Cartas Portuguesas de Mariana Alcoforado.

au revoir!

Anônimo disse...

Esta Flora é uma grande mulher!
Esta carta é emocionante, como trilha de um filme, entende?!

Com os atores certos me tiraria bastantes lágrimas^^

Beijos:P

Renato Ziggy disse...

Belíssima carta, meu caro! Amei seu texto, tanto quando o de Netuno, que foi inesquecível e de uma nobreza infinda... abração!

Chellot disse...

Esse desabafo deixou-me sentida. Quando não temos a presença de quem amamos os dias parecem não ter mais vida. Mesmo assim a ilusão de um reencontro é a única motivação para continuar resistindo.

Beijos poéticos.

Eduardo Magalhães disse...

Nossa! Muito bem escrito! Cheguei a pensar que lia algo de algum autor consagrado de nossa literatura Brasileira!
Mas engraçado, um companheiro de blog me perguntou ontem se todos os meus textos eram eu mesmo!
Já os seus podem até ser, mas você supõe personagens!

abração

Anônimo disse...

;@

Anônimo disse...

Bela carta ;]
Suas cartas... Sempre relacionadas a amor, morte, saudade e guerra...
Que significado tem um ano e quatro meses (curiooosa!)?
Como foi esse dia da poesia?
;*****
/Isa