Leeds, 16 de junho de 2005
Estou morrendo. Há muitas pessoas que já estiveram ou estão na mesma que eu. Estou com câncer no cérebro. O tumor maligno e infiltrativo, que destrói os tecidos normais e seus vizinhos, tem crescido incalculavelmente nos últimos 4 meses. A divisão das células do meu cérebro está fora de ordem, daí o aumento anormal delas. Elas dividem-se formando uma massa sólida. Esta massa é o meu sufoco. Vim para Leeds estudar o inglês e trabalhar. Fiz planos quando estava lá no Brasil, e esses planos cessam a cada minuto de minha estadia aqui na Grã-Bretanha.
No dia 18 de abril, fui a uma balada. Não bebi álcool, não ingeri droga. Quando eu e meus amigos estávamos na metade da diversão, meu corpo debruçou-se sobre o chão. A cabeça latejava aceleradamente. Meus olhos derramavam lágrimas de dor. Desmaiei. Acordei no dia seguinte no St. Mary’s Hospital. Meu amigo Schopen, alemão, a Alicia, estadunidense, e o Johan, canadense, vigiavam e protegiam como anjos uma pessoa que haviam conhecido há 3 meses e alguns dias.
Fiz vários exames após uma semana de recuperação. Constou-se um tumor no cérebro. Penso que o grande esforço em ouvir músicas com headphones, contribuiu para a mais nova e dolorosa notícia sobre a minha vida. (risos)
Ei! Você ai! É, você mesmo! Sim, sim, ser humano! Quero dizer-te o quão foi bom poder dividir dias de conversa com você. Aqueles abraços apertados, beijos demorados... Como foi bom dividir meus problemas e soluções com você. Você sabe, consegui concretizar um dos meus sonhos. Mas eu queria você aqui, perto de mim. Não posso e não quero voltar ao Brasil, por isso escrevo este longo recado para você que está a ler-me.
Ei! Pára de prestar atenção nessas outras pessoas ao seu redor. Eu estou aqui. Ainda estou. Dê-me o mínimo de sua atenção e carinho. É fato, eu preciso. Nossa! Quanta transformação nos últimos meses. Vivemos longe um do outro, mas estaremos ligados eternamente através dos poemas, das cartas, das histórias, das músicas que escrevi pra ti. Mas do que adianta tanta escrita, se eu não posso tê-lo fisicamente? É triste dizer: é assim que tem que ser.
Eu estou morrendo. E quero lágrimas, gritos de “volta!”, desespero, tristeza, felicidade, saudade da sua boca, do seu corpo juvenil. Quero antes de tudo, tudo mesmo, que leia esta carta e não interprete-a como algo triste. Você é um vencedor. Você tem o prazer de recebê-la. Você ganhou palavras sinceras. Palavras de despedida. Palavras cuja sintonia cruza os seus neurônios fazendo você refletir sobre tudo que viveu comigo.
Parece inacreditável, mas eu estou mesmo morrendo. Resta-me viver aqui, em Leeds. Resta-me uma rosa e cartas-respostas no meu velório.
Estranho, não?
Um beijo, um abraço, e um toque de minhas mãos no seu rosto, leitor.
Felipe Oliveira Sanches, o canceroso.
7 comentários:
Pára de prestar atenção nessas outras pessoas ao seu redor. Eu estou aqui. Ainda estou. Dê-me o mínimo de sua atenção e carinho. É fato, eu preciso.
Forte isso.
Fica o meu abraço forte para o Felipe Canceroso dos Headphones.
Ai, credo!
Quem é Felipe Sanches? Personagem ou o Nobre?
Ai, que alívio! Soou tão verossímil que fiquei caté com medo. Rs! Mto bom, cara! Abraços!
Um beijo, um abraço, e um toque de minhas mãos no seu rosto, para quem publica!.
Nossa,adorei isso aqui.
Agora pedir para ler e não sentir uma pontadinha de tristeza já é demais.
Tão real. tão profundo.
tão verdadeiro o recado para nós.
beeeijos
Muitas vezes eu penso que, se tivessemos uma noção e uma sensação reais de que a morte pode vir a qualquer momento, trataríamos de viver nossas vidas de maneira muito diferente dessa que transformou o homem em máquina. Quem sabe...
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