quinta-feira, 27 de março de 2008

Felaspitógeno Augustus


Praia do Desespero, 18 de novembro de 1997

Oi, vida.

Não tive muito tempo nas últimas semanas para escrever, para amar, para colorir o quarto em que durmo, para desejar coisas boas a você, vida. O café que tomei ontem a noite na casa da Gorolindaparonozéica estava forte demais. Senti a pressão da sua inimiga chegando para levar-me à loucura sonhada por alguns outros.

Vi o assassinato da vizinha de minha avó. Sim, eu vi. Senti apenas o medo. O medo, este, que alimenta os meus neurônios. Agora estou aqui. Vejo a praia, e na praia existem tantos urubus lá embaixo a espera do meu socorro.

Quero pensar no amanhã, mas de uma forma diferente. Quero viver em um local distante desses mamíferos rodeados de azedume. Deves imaginar e questionar a contradição em minhas palavras, não é? Mas que contradição o que! Essa métrica nas palavras revolta o meu corpo de poeta. Prefiro pisar nas coisas perfeitas que chegaram para confrontar a cabeça daqueles que se dizem poetas. Danem-se os que esbanjam beleza gramatical nos textos, nas pinturas, na música. Algo tem que fluir como o artista deseja, sabe vida? Mesmo assim eu lavo, torço, jogo fora, resgato antes do carro do lixo passar para buscá-los. (risos) É um sentimento estranho. São desejos estranhos. São como as lágrimas que se derramam nos meus papéis reciclados. Sei lá, vida... Achas que sou um louco, não? Ah, quem sabe sou.

Suicídio. Não sou covarde, jamais. É apenas desespero. Não tive medo de viver até agora. Você sabe. Sempre enfrentei os carrapatos e pulgas que judiavam com o meu eu lírico. Mas eu cansei. Cansei do jeito como você me toma. Cansei das cores que pintam o meu céu. Cansei de ouvir pessoas imbecis dizendo que os meus quadros não são como os de Van Gogh. Sabe quando você escreve poesias para um alguém que não passa de um “alguém?”? Você se derrama. Você transforma-se em vermes produtores de vômitos, sujeiras. As artérias saltitam numa enorme velocidade por segundos. As cores tornam-se mais intensas, mas ai tudo pára. Tudo muda de lugar.

Os insetos visitam-me com freqüência no meu apartamento. Eles são interessantes por um único motivo: não conversam. Ao invés disso, eles cantam. Cantam como Edith Piaf. – Comparar Edith Piaf aos insetos? Sim! Foi com a ajuda deles que seu corpo transformou-se em terra. E não há nada mais belo do que as comparações que faço. Elas são as artes. Fazem parte disso aqui.

Na verdade, vida, chamo isso de ponto estratégico. Sim. Planejei tudo para, quem sabe, um dia poder voltar aqui e contar aos peixes, as gaivotas, aos urubus, aos vermes, a doença, a fuga, a guerra, o quão é fantástico poder morrer. Sempre tive essa curiosidade desde o dia em que perdi o meu avô. Você lembra, não é mesmo? Lembra, lembra sim senhora! (risos)

Pulo ou não pulo? Eis a questão...

Do homem que não era um Van Gogh,

Felaspitógeno Augustus

4 comentários:

Anônimo disse...

"São como as lágrimas que se derramam nos meus papéis reciclados. "

Quanta bravura Sr. Nobre!
O que faz do poeta a falar com a vida? fala sobre a morte!
Se engrandece!Se enfeita de virtudes e defeitos...

E no final tudo se torna um belo poema, mesmo interrogativo..

Beijos

Tyci Olvieira disse...

"Cansei de ouvir pessoas imbecis dizendo que os meus quadros não são como os de Van Gogh."

Belo! Incrivel! Um texto riquissimo! *.*
Parabéns, meu caro!

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Anônimo disse...

escreve sempre bem ;)

Anônimo disse...

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