domingo, 2 de março de 2008

Conversa na biblioteca



- Aqui, homem! Pegue-me! Leve-me para o seu colo!
- Não é tão simples assim, meu caro. Estou em dúvida entre você e os outros...

Outra voz gritou:

- Olha lá, hein! Eu tenho tantas fotografias pra te mostrar, leitor! Há tempos que estou preso nesta biblioteca esperando por alguém que me dê o máximo de valor!
- Não, não, não! Aqui quem tem vez são os livros de História. – falou o colega da estante.
- Como assim? Não tem isso aqui, seu metido! Presta atenção nisso: “As pessoas fazem a História, mas raramente se dão conta do que estão fazendo”, Cristopher Lee. Pense nisso.
- E daí? Problema delas que não se dão conta. Mas tenho coisas belíssimas que aconteceram em todo o mundo, e ficaria honrado em mostrar isso pro moço, certo?!
- Certo, livro de História!

O homem olhou pra um, olhou pra outro e continuou com a dúvida. Eram tantos livros que lhe chamavam a atenção. Eram tantos que estavam desesperados para serem tocados... Eis que ele falou:

- Estou precisando refletir com um de vocês. Não quero que fiquem ai discutindo, brigando, implorando para eu pegar um. Já disse, não é fácil assim. Alguém tem poesias pra mostrar-me?

Um livro de Augusto dos Anjos gritou:

- Senhor, senhor! Poderia eu citar um poema que faz parte deste meu corpo já tão velho e esquecido nesta estante?
- Sim, claro!

E o livro declamou:

A fome e o amor

A um monstro

Fome! E, na ânsia voraz que, ávida, aumenta,
Receando outras mandíbulas a esbangem,
Os dentes antropófagos que rangem,
Antes da refeição sanguinolenta!

Amor! E a satiríasis sedenta,
Rugindo, enquanto as almas se confrangem,
Todas as danações sexuais que abrangem
A apolínica besta famulenta!

Ambos assim, tragando a ambiência vasta,
No desembestamento que os arrasta,
Superexcitadíssimos, os dois

Representam, no ardor dos seus assomos
A alegoria do que outrora fomos
E a imagem bronca do que inda hoje sois!”


O leitor ficou surpreso ao ouvir tudo aquilo. Tão sagaz, tão feroz! Era isso que ele procurava. Seria o livro escolhido entre tantos outros que também são recheados de cultura, exemplos, histórias fantásticas!- Ora, ora... Vamos comigo?! Quero lê-lo. – E olhando para os outros que puxavam sua camisa, disse: - Nem tudo está acabado. Aguardem, e voltarei para matar a minha e a sede de vocês! Boa noite...

O moço saiu da sala, deixou a porta entre aberta, e a guerra continuou lá dentro. Mas enfim a calmaria chegou. Aquietaram-se. E sabiam que mais cedo ou mais tarde teriam o mesmo prazer do livro que foi pego pelo leitor.

Livros! Oh, livros... “livros livres... porque cultura não é mercadoria”.
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Ganhei da Verônica Martinelli , este selo:


Obrigado, Verônica!

11 comentários:

Anônimo disse...

Não creio que um livro de Augusto critaria, ele se esconderia da sujeira das mãos.

Anônimo disse...

Sério,parece que é exatamente isso que acontece quando entramos em uma livraria...todos os livros brigando pela nossa atenção e pedindo para que os levemos conosco.

Belo texto!
;)

Beeeijo,grandão.

Renato Ziggy disse...

Só alguém com uma mentalidade tão enobrecida poderia falar algo tão...

...NOBRE!

Amei a forma afetuosa como aborda os livros e o valor que eles têm. A internet e a cultura inútil tem afastado as pessoas deles. Abraços!

Keidy Lee disse...

Blog interessante...
Tem algo misterioso xD

Anônimo disse...

"Uma casa sem livros é como um corpo sem alma".

E sempre há mais vontade de pegá-los e lê-los.

The Rocks disse...

Muito legal o texto, é bem criativo e gostoso de ler. Prende atenção e ainda tem Augusto do Anjos no meio.
Parabéns. Bye

Filipe Garcia disse...

cara, muito bom. Se fosse eu no lugar do personagem, teria surtado, hehehe.

Muito legal sua contextualização com os autores e gostei muito da frase final.

=)

abraços

Critical Watcher disse...

Hahahaa...
Adorei esse texto.
É verdadeeee...
Isso sempre acontece comigo. Fico sem saber o que ler. Mas o pior são as situações extras, como na UFRN.
Pois olha, meu caro, é muito difícil opiniar por um livro quando todos eles estão recheados de ácaros e coisas do tipo. Sinto uma satisfação enorme quando percebo que, mesmo naquele estado, eles têm muito pra me ensinar. Então, deixo as "frescuras" de lado e acabo enfrentando um!

Abração!

Eduardo Magalhães disse...

É por isso que, geralmente, aceito sugestão de meus amigos leitores ao invés de brigar comigo mesmo pra decidir que livros levar....

Há quanto tempo hein!?
É fazia tempo que eu não postava.
Tanta coisa acontecendo...
Mas enfim, época de transição, acho que nos próximos dias as coisas começarão a entrar nos eixos!
Abraço

leila saads disse...

Ainda bem que sempre haverá um leitor para um livro desesperado - menos, talvez, para um livro de história que por anos entulha o CAHIS lá da unb, coitado...

Anônimo disse...

Os livros da minha casa fazem isso sempre que eu passo por eles ;}

Sempre melhorando ...
:********
/Isa